A morte de Preta Gil, emocionou o Brasil.
Há muito tempo não víamos a sociedade brasileira se comover com tamanha força e generosidade diante de um acontecimento previsível e inevitável, como foi a morte da multi artista Preta Gil, acometida de doença incurável.
A comoção não ocorreu por conta de algo trágico ou acidental, de apelos midiáticos ou piruetas religiosas, mas em razão da forma pela qual a vítima se portou ao longo de todo o episódio.
Preta Gil, foi digna e determinada desde o primeiro momento em que tomou conhecimento da doença.
De uma dignidade impressionante.
Não abriu mão, em nenhum momento, da sua condição de figura pública, ao mesmo tempo que impediu qualquer exploração midiática ou religiosa, da sua condição de fragilidade.
Compartilhou com o público suas dores e sofrimentos, sua garra e determinação, assim como sua integridade diante da situação. Não manipulou nem foi massa de manobra de quem quer que seja. Foi Preta, apenas isso.
Preta Gil.
Foi uma mulher de pele preta, que representou mulheres de todas as cores e raças, ricas e pobres, gordas e magras, celebridades e anônimas, apesar de ter sido discriminada, agredida e vilipendiada, por públicos fascistas e comediantes de araque.
Foi Preta Maria, como Clara, como Branca, conforme profetizou Gil ao ter que explicar ao tabelião do cartório em que foi registrada, a razão do seu nome.
Ou seja, honrou como poucas a condição de mulher e cidadã.
Plena e consciente da importância do seu papel, dos seus direitos e da sua posição de pessoa pública, diante de uma sociedade magnetizada pelo brilho fácil das luzes instagramáveis, não poupou esforços para que a sociedade compreendesse os seus esforços e sua luta pela vida.
Era um direito seu e que não cabia a ninguém negar ou aprovar. Para tanto, ela não fez nenhum discurso politicamente correto. Não buscou culpados ou culpadas, nem no plano material ou espiritual.
Foi inteira, no momento em que se encontrava aos pedaços.
Apenas viveu. Viveu intensamente, antes e depois da doença. Viveu, com a intensidade própria de quem tinha a consciência da finitude da existência humana.
É bem verdade que teve na sua família e particularmente no seu pai, Gilberto Gil, um exemplo de honra e dignidade que só é dado aos seres humanos especiais.
E Gil é um ser humano para lá de especial. Em verdade, um Orixá vivo! Um ser humano genial. E a esses seres a humanidade tem delegado a condição de representa-la, em muitos momentos. E assim ele o fez, ao aconselhar a filha, em momento tão difícil.
Se não o fosse soaria estranho o seu conselho:
“Filha, a natureza é sábia. Somos parte dela e vamos voltar pra ela, isso faz parte da vida”. “Se estiver sendo muito difícil pra você e se for sua hora, aceite'”. “‘Se estiver muito pesado pra você, vai, se deixa ir.
Mas, conforme relatou a própria Preta, esse conselho foi como um bálsamo para ela, que vinha lutando tenazmente pela vida. Segundo ela, aquilo funcionou como uma virada de chave na sua cabeça, pois ninguém havia dito a ela, até aquele momento, que ela corria sério risco de vida.
“E funcionou muito. Foi ótimo ele ter disso isso para mim porque eu estava na merda”,
Mas, a finitude da vida se fez presente e o exemplo de dignidade e generosidade se espalhou por todos os cantos, eternizando o seu gesto. Preta se foi, mas deixou um legado que nos remete a outro grande poeta, que afirmava: “a vida só vale a pena quando a alma não é pequena”.
Valeu Preta, obrigado por ter compartilhado sua existência conosco.
Toca a zabumba que a terra é nossa!