Revista Raça Brasil

Compartilhe

O Cais do Valongo: Um símbolo da diáspora e da resistência

No último sábado (26/7), o Cais do Valongo, na região conhecida como Pequena África, no Rio de Janeiro, foi palco de uma cerimônia que transcendeu o aspecto religioso para se tornar um potente ato político e cultural. A 14ª edição da lavagem ritualística, liderada pela Iyalorixá Edelzuita de Oxaguian com apoio da Fundação Cultural Palmares, revelou as múltiplas camadas de significado que envolvem a preservação da memória africana no Brasil. O evento, que reuniu cantos tradicionais, flores e água de cheiro, transformou-se em um espaço de resistência ativa contra o apagamento histórico da cultura negra.

O Cais do Valongo, reconhecido pela UNESCO como Patrimônio Mundial, carrega em suas pedras a marca de mais de um milhão de africanos escravizados que por ali desembarcaram entre os séculos XVIII e XIX. A descoberta de restos mortais no local em 2011 elevou o espaço à condição de santuário da memória, onde a lavagem anual assume duplo significado: purificação espiritual e reparação histórica. O cortejo, animado pelos tambores do bloco Filhos de Gandhi e por grupos como Ziriguidum e MariAmas, mostrou como a tradição se mantém viva através da música e da dança, atualizando-se sem perder sua essência ancestral.

Mas a cerimônia não se limitou ao aspecto simbólico. Os debates sobre políticas antirracistas, com participação de autoridades e lideranças sociais, evidenciaram a urgência de transformar a memória em ação concreta. O anúncio de investimentos para a revitalização do edifício Docas André Rebouças, sede regional da Fundação Palmares, aponta para um reconhecimento institucional, ainda que tardio, da importância desses espaços. As palavras de Fernanda Thomaz, da Fundação Palmares, e de Márcio Tavares, do Ministério da Cultura, reforçaram o papel central da cultura negra na construção de uma democracia verdadeiramente justa.

O evento culminou com o Sarau da Pequena África, onde poesia, música e artes visuais demonstraram a vitalidade criativa da herança africana no presente. Mais do que uma homenagem ao passado, a lavagem do Cais do Valongo se afirmou como um ato de ressignificação do futuro – um lembrete de que a cultura negra não é relíquia museológica, mas força viva e transformadora. Enquanto as águas ritualísticas escorriam pelas pedras do antigo cais, lavavam simbolicamente as feridas do racismo estrutural, reafirmando que a memória, quando cultivada com respeito, pode ser um poderoso instrumento de mudança social.

Publicidade

Open chat
Preciso de Ajuda
Olá 👋
Podemos te ajudar?