Por Flávia Cirino
Desde que Bella Campos foi anunciada no elenco do remake de “Vale Tudo”, a atriz enfrentou uma onda de expectativas e críticas que pareciam maiores do que o próprio papel. A novela carrega um peso histórico e simbólico enorme, já que não apenas é um dos maiores sucessos da teledramaturgia, mas também representa um marco na discussão sobre moralidade, ética e desigualdade social no Brasil.
Entrar nesse universo, ainda mais em um papel de destaque, significava para Bella não apenas atuar, mas sustentar uma tradição de excelência que acompanha a obra desde 1988. E esse ponto talvez explique a desconfiança inicial em torno de sua escalação.
As críticas começaram antes mesmo da estreia. Muitos questionavam se a artista – em seu terceiro papel na TV – teria a densidade necessária para viver uma personagem tão complexa, capaz de oscilar entre vulnerabilidade e força em um ambiente marcado por disputas de poder.
Além disso, seu perfil estético e racial foi colocado em pauta: Bella é uma mulher negra não retinta. “Condição” que a coloca em um espaço ambíguo dentro da televisão brasileira, que historicamente oferece às atrizes negras papéis estereotipados, ao mesmo tempo em que privilegia peles mais claras quando se trata de personagens de maior projeção. A escolha da atriz, acabou trazendo à tona uma velha discussão sobre representatividade e colorismo.
O peso das críticas iniciais
Não se pode negar que Bella estreou sob uma lupa cruel. As primeiras semanas foram marcadas por comentários que apontavam uma suposta falta de intensidade em sua interpretação. Críticos de redes sociais e até parte da imprensa especializada chegaram a dizer que sua atuação soava “morna” diante de colegas mais experientes.
Havia quem afirmasse que ela parecia deslocada, como se ainda buscasse compreender a engrenagem da trama. Essa percepção ganhou força e quase a transformou em alvo de rejeição precoce.
No entanto, a teledramaturgia é feita também de viradas – e não apenas na ficção. A cena da escadaria, exibida na última terça-feira, 18 de agosto, mudou drasticamente o olhar sobre Bella Campos. O momento exigia não só entrega física, mas também emocional. Ali, diante do perigo, do medo e da intensidade dramática, a atriz finalmente alcançou uma profundidade que conquistou até os críticos mais céticos.
Sua expressão corporal, a construção do desespero e o domínio do tempo cênico revelaram uma maturidade artística que muitos não esperavam. A tal “queda” se transformou em ascensão.
Essa virada não deve ser lida apenas como fruto de um esforço individual, mas também como resultado do espaço que finalmente se abriu para que Bella Campos demonstrasse o que sabe fazer. A televisão, muitas vezes, restringe a complexidade de personagens femininas negras a papéis secundários, marcados pela invisibilidade ou pela função de apoio.
Quando uma atriz como ela tem a chance de ocupar o centro da cena em uma novela de grande audiência, cada gesto é avaliado com rigor quase desumano. Ao entregar uma cena tão poderosa, ela mostrou que o problema não estava em sua falta de capacidade, mas talvez na impaciência de um público acostumado a duvidar de quem ainda não carrega um currículo longo e consagrado.
Representatividade e a cena da redenção
O debate racial que envolve sua presença em Vale Tudo também merece reflexão crítica. A representatividade não pode ser encarada de forma superficial. É importante reconhecer que Bella, como mulher negra não retinta, ocupa um espaço que não elimina a necessidade de mais atrizes negras retintas em papéis protagonistas.
A trajetória da atriz até aqui prova que talento não se mede pelas primeiras impressões. A pressão exercida sobre ela foi desproporcional e, em muitos casos, atravessada por preconceitos velados. A cena da escadaria não apenas silenciou os críticos mais duros, mas também colocou Bella Campos em um novo patamar de reconhecimento. De alvo de desconfiança, ela passou a ser apontada como uma das atuações que sustentam a força dramática do remake.
Em uma novela que discute valores, ética e as contradições brasileiras, a trajetória de Bella dentro e fora da ficção acaba se tornando metáfora. Questionada, vigiada e julgada, ela deu a volta por cima no mesmo palco em que muitos já estavam prontos para decretar sua derrota.
Não há dúvida de que essa cena ficará registrada não só como um ponto alto de Vale Tudo, mas também como o momento em que Bella Campos se consolidou como uma atriz capaz de enfrentar as expectativas, romper barreiras e transformar críticas em reconhecimento.