Falar sobre negritude quase sempre nos leva, primeiro, às marcas da dor: séculos de escravidão, exclusão e violências que atravessam gerações. Essas histórias precisam ser contadas — mas não podem ser as únicas. É urgente abrir espaço para outras narrativas, aquelas que mostram a potência, o afeto e a alegria de existir sendo negro.
É daí que nasce o conceito de black joy: um respiro, uma afirmação, um convite para celebrar a vida negra em toda a sua beleza, sem que o sofrimento seja o centro da narrativa. Representatividade também é isso: mostrar corpos e vozes negras vivendo em plenitude, rindo, amando e criando.
Tenho percebido como essa felicidade negra tem ganhado vida nas artes visuais. Muitos artistas vêm transformando suas telas em explosões de cor, em danças e sorrisos que lembram: alegria também é um ato político.
O universo de Marcos da Matta
Foi diante de uma tela retratando uma rodoviária de Salvador que conheci o trabalho de Marcos da Matta, baiano do Recôncavo que pinta mundos cheios de cor e gente sorridente. Difícil não ser cativado de imediato.
Desde criança, ele transformou desenho e pintura em ferramentas para ler o mundo e recriá-lo. Hoje, aos 35 anos, seu estilo transita entre o figurativo, o surrealismo e até o afrossurrealismo. Mas é no conceito que ele mesmo batizou — sobrevivencialismo — que sua identidade artística pulsa mais forte.
Ao reinventar o termo, Marcos mostra como pessoas negras e periféricas inventam caminhos de resistência a partir do que têm à mão: criatividade, afetos, recursos do dia a dia. Mas sua arte não para aí: ela coloca o sorriso, o descanso e o prazer como protagonistas.
“Eu quero me ver sorrindo e quero que as pessoas me vejam assim. Meu trabalho é uma forma de me alimentar de tranquilidade e passar isso adiante”, diz o artista.
Sua pintura é, portanto, um ato político-afetivo: recusar a narrativa única da dor e afirmar que a felicidade negra não é exceção, mas um direito. Cada tela de Marcos é um lembrete de que resistir também é dançar, descansar, rir e sonhar.