A mobilidade urbana tem sido tratada, em grande parte do debate público, como uma questão de transição energética centrada na substituição da frota de veículos a combustão por carros elétricos. No entanto, essa visão pode ser reducionista e insuficiente diante dos desafios reais das grandes cidades brasileiras.
A eletromobilidade individual exige enormes investimentos em infraestrutura viária, redes de energia, pontos de recarga e manutenção, o que muitas vezes não dialoga com as prioridades de acesso, inclusão e redução do custo de vida para a maioria da população.
Assim como em outros setores, também precisamos refletir sobre o consumo de transporte. Optar pelo carro individual, mesmo elétrico, é um padrão de consumo que privilegia o indivíduo, consome mais espaço urbano, energia e recursos ambientais. Já o transporte coletivo é uma forma de consumo compartilhado: divide custos, otimiza energia e amplia o acesso.
Segundo a União Internacional de Transporte Público (UITP), cada real investido em transporte coletivo retorna em até quatro reais em benefícios sociais e econômicos, como melhoria da saúde pública, aumento da produtividade e redução de congestionamentos.
A Agência Internacional de Energia (IEA) aponta que, enquanto um carro elétrico particular pode reduzir emissões em cerca de 50% ao longo de seu ciclo de vida em comparação a um carro a combustão, um sistema eficiente de transporte coletivo é capaz de reduzir em até 80% as emissões por passageiro transportado. Ou seja, a coletivização da mobilidade é também uma forma de consumo mais consciente, onde a decisão pelo transporte público resulta em menor pegada de carbono e maior benefício coletivo.
No Brasil, o tempo médio de deslocamento diário nas grandes cidades já ultrapassa 90 minutos, como exemplo, no último dia 8 de agosto de 2025, São Paulo registrou o recorde de 1.335 km de congestionamento, desta forma, o fortalecimento do transporte público poderia reduzir em até 35% esse tempo, segundo estudo do IPEA (2023).
Experiências locais e regionais reforçam esse caminho: em São Paulo, corredores de ônibus reduziram em até 30% o tempo de viagem nos trajetos contemplados (SPTrans, 2022); em Bogotá, o sistema TransMilenio transporta mais de 2 milhões de pessoas por dia com eficiência e menor custo operacional do que qualquer solução baseada em veículos individuais.
O consumo coletivo de transporte traz também impactos socioeconômicos diretos. Um estudo publicado em 2024 por pesquisadores da UFRJ e USP, disponível no arXiv, mostrou que a implementação de transporte gratuito em algumas cidades brasileiras aumentou a taxa de emprego em 3,2% e reduziu emissões urbanas em 4,1%. O objetivo do estudo foi justamente avaliar como políticas de acesso universal ao transporte poderiam transformar a mobilidade em um bem público mais democrático, reduzindo desigualdades sociais e ampliando oportunidades de trabalho e renda.
Outro aspecto essencial é a eficiência energética. Enquanto um carro elétrico consome em média 15 a 20 kWh para percorrer 100 quilômetros, um ônibus elétrico pode transportar mais de 80 passageiros no mesmo trajeto com consumo proporcionalmente menor por pessoa. Essa diferença mostra que, no campo da mobilidade, consumir coletivamente é consumir melhor: menos energia, menos custos e mais benefícios compartilhados.
O desafio, portanto, não é apenas substituir a matriz de combustíveis fósseis, mas repensar o próprio padrão de consumo da mobilidade urbana. Se continuarmos estimulando o transporte individual, mesmo na versão elétrica, manteremos congestionamentos, altos custos e desigualdades. No fim do dia de um futuro não muito distante, o custo de energia pode impactar ainda mais o custo de vida das pessoas, se a individualização energética se estabelecer em escala.
O verdadeiro avanço virá quando entendermos que a mobilidade coletiva é a solução mais eficaz para reduzir emissões, ampliar acesso e melhorar a qualidade de vida. Investir em transporte público de qualidade, acessível e sustentável é investir em cidades mais humanas, resilientes e justas, e também em um padrão de consumo responsável, alinhado com o futuro que precisamos construir para todos.