Revista Raça Brasil

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Consumimos redes sociais ou somos consumidos por ela?

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Lucio Vicente

Formado em Comunicação Social pós-graduado em Gestão de Marketing, especialista em Socioeconomia e MBA em Economia e Gestão do Agronegócio. Diretor geral do Instituto Akatu. Coautor do livro ‘O Encontro com a Sustentabilidade: Contribuições do Psicodrama’.

O Brasil está entre os países que mais passam tempo conectados às redes sociais, em um movimento que se tornou quase inseparável da vida cotidiana e que, ao mesmo tempo em que aproxima, também cobra um preço alto. Pesquisa realizada pelo Instituto Cactus e pela AtlasIntel mostrou que 36,9% dos brasileiros que utilizam as plataformas por mais de três horas por dia já receberam diagnóstico de ansiedade, índice que chega a 43,5% entre os mais jovens.

Outro levantamento apontou que 45% dos casos de ansiedade em pessoas de 15 a 29 anos estão diretamente relacionados ao uso intensivo das redes sociais. Estudos desenvolvidos pela UFMG reforçam que a dependência digital compromete a saúde mental em diferentes gerações, enquanto a UFRJ alerta para os impactos do Instagram na autoestima de mulheres jovens, apontando que a lógica da comparação constante pode intensificar quadros de depressão e queda na autoconfiança. Além desses números, fenômenos como o chamado doomscrolling, em que o usuário passa longos períodos rolando a tela em busca de notícias muitas vezes negativas, ou ainda a dismorfia causada pelos filtros digitais, que alimenta a insatisfação com a própria imagem, mostram que a experiência digital pode se transformar em gatilho de sofrimento emocional.

Esse cenário, contudo, não pode ser compreendido apenas pela ótica dos riscos, porque as redes sociais também desempenham papéis fundamentais para a vida social e política. Manuel Castells descreveu a sociedade em rede como uma nova estrutura social capaz de alterar profundamente os modos de interação, e Henry Jenkins destacou a cultura participativa, em que cada usuário não apenas consome, mas também produz conteúdo, transformando a comunicação em um espaço mais horizontal e interativo. No Brasil, exemplos não faltam: das mobilizações políticas que levaram milhões às ruas na última década às campanhas solidárias que arrecadam fundos para vítimas de enchentes ou incêndios, passando pela visibilidade de movimentos feministas, negros e indígenas, as redes funcionam como arenas de debate e transformação social.

Ainda assim, a tensão permanece e o paradoxo se intensifica. Para o filósofo Byung-Chul Han, vivemos na chamada sociedade do cansaço, em que já não é a pressão externa que nos esgota, mas sim a autovigilância constante e a necessidade de exposição e aprovação contínuas. Cada curtida, comentário ou compartilhamento se converte em unidade de valor e em métrica de reconhecimento, transformando o prazer em pressão e a comunicação em uma performance permanente.

O resultado é uma engrenagem que aprisiona o indivíduo na lógica do desempenho, gerando exaustão e tornando difícil distinguir quando estamos exercendo nossa autonomia e quando estamos apenas respondendo a uma demanda invisível das plataformas. Ao mesmo tempo, pensadores como Clay Shirky e Henry Jenkins lembram que, se bem utilizadas, as redes podem ampliar o engajamento político e social, abrir espaço para o diálogo democrático e fortalecer vínculos de solidariedade em escala global.

Entre os riscos e as potências, as redes sociais se afirmam como um espelho da vida contemporânea, um espelho que não devolve imagens lineares, mas fragmentadas e distorcidas, ampliando ora nossas virtudes, ora nossas fragilidades. Não se trata apenas de decidir se consumimos ou somos consumidos, mas de reconhecer que ambos os movimentos acontecem de forma simultânea e ininterrupta, exigindo de cada um de nós escolhas críticas, pausas conscientes e a capacidade de estabelecer limites. Talvez o caminho seja aprender a olhar para esses espelhos digitais sem perder de vista a realidade fora da tela, equilibrando presença, ausência, visibilidade, silêncio, conexão e recolhimento, para que possamos reencontrar o sentido de sermos protagonistas de nossas próprias histórias em meio ao fluxo incessante da vida online.

 

Essa publicação é fruto de uma parceria especial entre a Revista Raça Brasil e o Fórum Brasil Diverso, evento realizado pela Revista Raça Brasil nos dias 10 e 11 de novembro, que celebra a diversidade, a cultura e a potência da música negra brasileira. Não perca a oportunidade de participar desse encontro transformador — inscreva-se já http://www.forumbrasildiverso.org

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