Revista Raça Brasil

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Breno Ferreira traz luz à narrativa que não havia na versão original de ‘Vale Tudo’

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Flavia Cirino

Editora-chefe da revista RAÇA. Jornalista pós-graduada em jornalismo cultural e assessoria de imprensa, com ampla experiência em televisão e impressos. Também atua como relações públicas no universo corporativo e artístico.

André, vivido por Breno Ferreira, emerge no remake de “Vale Tudo” não apenas como um personagem jovem com sonhos e dramas pessoais, mas como parte de uma costura narrativa que busca refletir — e interpelar — as tensões raciais do Brasil contemporâneo.

Se na versão de 1988 o papel de André, como muitos outros, foi ocupado por atores brancos, agora ele reside dentro de uma família negra com destaque: mãe, pai e irmã todos interpretados por atores negros em posição protagonista, núcleo afetivo e de poder simbólico.

O remake não esconde que essa escolha foi deliberada. A autora Manuela Dias afirma: “acho que a Raquel sempre foi preta” — indicando que a mudança não é mera adaptação estética, mas uma revisão de quem era concedido o protagonismo na televisão brasileira, e de que modo se contavam as histórias do “povo”.

A visão de André, como filho dessa família, ganha então outra dimensão: não só os conflitos de juventude e traços de romance ou frustrações pessoais, mas também o de ser jovem negro num país ainda marcado por desigualdades raciais.

A presença de André negro — e em relação próxima com outros jovens negros — permite que se vislumbre uma multiplicidade de experiências, a visibilidade de afetos, de sonhos, de posicionamento. André trabalha como professor na escolinha de pônei da hípica, convive com privilégios que vêm do convívio social, mas também com distanciamentos de mundo, com lacunas entre espaços — como foi mencionado, ele vive em Vila Isabel, Tiago noutro cenário — que reverberam diferença de classe, de acesso.

Há, entretanto, desafios inerentes a essa nova abordagem. Um deles: o risco de suavizar o racismo ou deixá‑lo implícito demais, quase invisível, de forma que a narrativa perca potência crítica.

Como apontado por Taís Araujo, a atuação da personagem Raquel e de outros núcleos negros revela que “o jeito que o Brasil encara uma mulher negra é diferente” — logo, o cotidiano de André, suas dores ou exclusões, dependem de se mostrar também sutilmente (mas de forma explícita) os mecanismos de invisibilidade, preconceito, expectativas e silenciamentos.

Outro ponto construtivo é que André pode servir de ponte para espectadores que tradicionalmente não se veem no centro das tramas: seu encanto, suas falhas, seus sonhos podem humanizar, desmistificar estereótipos — mostrar que ser negro não é um marcador apenas de sofrimento, mas de potência, de desejo, de espaço criado, lutado.

Isso depende da força do texto, da atuação de Breno Ferreira (já elogiada em outras frentes) e da coragem da novela de se colocar em lugares desconfortáveis: revelar privilégios, desconstruir olhares, colocar tensão racial mesmo quando ela parece “invisível”.

O romance interacial com Aldeíde (Karine Teles), vem “no bolo”, pra botar mesmo lenha na fogueira. E está colocando!

Em resumo: André, nessa nova versão de “Vale Tudo”, incorpora parte do Brasil real que muitas décadas atrás foi omitido ou apagado nos grandes folhetins. Se a novela mantiver compromisso com essa linha — mostrar não só que ele é negro, mas o que isso implica na pele, nos afetos, nas frustrações e nas vitórias — Breno Ferreira pode fazer de André um marco em sua carreira.

Se, porém, se contentar com uma imagem polida de sucesso ou de aceitação sem atrito, haverá um desperdício do potencial crítico que a mudança racial oferece à trama.

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