Revista Raça Brasil

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Entre a descrença e a esperança: como o consumo de notícias moldam nossa visão de mundo.

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Lucio Vicente

Formado em Comunicação Social pós-graduado em Gestão de Marketing, especialista em Socioeconomia e MBA em Economia e Gestão do Agronegócio. Diretor geral do Instituto Akatu. Coautor do livro ‘O Encontro com a Sustentabilidade: Contribuições do Psicodrama’.

Nos últimos anos, a ciência tem demonstrado com clareza aquilo que a experiência cotidiana já nos revela: nosso cérebro reage de maneira mais intensa às más notícias do que às boas.

Esse fenômeno, conhecido como negativity bias, foi comprovado em estudo de Stuart Soroka, publicado em 2019 no Proceedings of the National Academy of Sciences, que analisou participantes em diferentes países e mostrou como notícias negativas aumentam significativamente as respostas do corpo, detectadas pela intensidade da transpiração e pela variação dos batimentos cardíacos. O efeito é tão marcante que outras pesquisas, como publicada em 2020, na British Journal of Psychology, indicam que a exposição cotidiana a más notícias reduz sentimentos positivos e aumenta tristeza, preocupação e ansiedade.

Esse viés, que tem raízes evolutivas ligadas à sobrevivência diante de ameaças, hoje alimenta um ciclo de pessimismo. A lógica midiática e dos algoritmos intensifica essa tendência, pois conteúdos negativos prendem mais atenção e geram maior engajamento. Estudo publicado em Nature Human Behaviour, em 2023, analisou mais de 105 mil manchetes de notícias e constatou que cada palavra negativa adicional aumenta em cerca de 2,3% a taxa de cliques, enquanto palavras positivas reduzem o interesse. É uma equação que explica porque as timelines e portais estão repletos de manchetes alarmantes: o medo vende mais.

As consequências não se restringem a estatísticas de audiência. Estudos também mostram que a exposição frequente a conteúdos negativos alimenta comportamentos como o doomscrolling, o consumo compulsivo de más notícias que acentua a ansiedade, o estresse e a sensação de impotência diante da realidade. No plano social, a predominância da negatividade reforça polarizações, desmobiliza coletivos e sustenta uma cultura do medo, que enfraquece a confiança entre pessoas e instituições.

Entretanto, estudos também mostram que o efeito pode ser revertido quando o jornalismo se volta para narrativas de solução. Em 2017, o Institute for Applied Positive Research constatou que a exposição a reportagens que destacam iniciativas bem-sucedidas de enfrentamento de problemas reduz a ansiedade, aumenta a energia e fortalece a sensação de conexão comunitária.

É o que ficou conhecido como solutions journalism, modelo defendido por David Bornstein, Tina Rosenberg e Courtney Martin, que propõe não apenas denunciar problemas, mas mostrar o que funciona e por quê. Iniciativas como “The Better India”, que já alcançou mais de 30 milhões de leitores com histórias de transformação social, demonstram que a positividade pode ter alcance massivo quando estruturada em narrativas consistentes.

A diferença entre a cultura do medo e a cultura da confiança, já explorada por teóricos como Douglas Kellner, evidencia o poder das narrativas. Enquanto o medo paralisa e aprofunda intolerâncias, a confiança mobiliza e abre espaço para cooperação e inovação. Por isso, não se trata de ignorar os problemas, mas de oferecer também histórias de esperança ativa, que sirvam como combustível para a ação coletiva. Cabe ao público diversificar suas fontes, valorizar conteúdos construtivos e cultivar hábitos de leitura equilibrados.

Cabe aos jornalistas e comunicadores ampliar a visibilidade de iniciativas que promovem solidariedade, inovação e humanidade. Afinal, todos somos influenciadores: cada escolha de consumir, compartilhar ou valorizar conteúdos positivos contribui para moldar mentalidades mais construtivas, participativas e voltadas à solução.

Embora más notícias continuem dominando os algoritmos pela força do viés cognitivo e do apelo comercial, a ciência e a prática mostram que boas notícias também geram engajamento e impacto, desde que contemplem caminhos concretos. O modo como consumimos informação não apenas informa, mas forma. Ao optar por narrativas que constroem confiança, abrimos espaço para uma visão de mundo menos pautada pelo medo e mais comprometida com a transformação.

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