Em 2025, o livro Quarto de Despejo, de Carolina Maria de Jesus, completa 65 anos. Mais do que um clássico da literatura, a obra é um grito que atravessa gerações. Escrita por uma mulher negra, favelada e catadora de papel, Carolina transformou em palavras a fome, a desigualdade e a dor — mas também a resistência e a esperança — de milhões de brasileiros que nunca tiveram espaço para contar sua própria história.
Publicado pela primeira vez em 1960, o livro já foi traduzido para 13 línguas e vendeu mais de 1 milhão de exemplares, levando ao mundo a realidade da favela do Canindé, em São Paulo, onde Carolina viveu. Suas páginas, escritas em forma de diário, revelam o cotidiano de quem sentia a fome não como metáfora, mas como presença concreta.
Para o pesquisador Emanuel Gonçalves, autor do estudo A História Editorial do livro Quarto de Despejo de Carolina Maria de Jesus: Literatura Vista de Baixo, Consagração Cultural e Luta de Classes, a força da obra está justamente nesse olhar.
“Carolina criou uma literatura vista de baixo: feita a partir da perspectiva de pessoas em situação de subalternidade, mas que pode ocupar o centro da cultura. Ela fala de uma fome real, de uma vida invisibilizada, mas com a potência de ocupar o mundo”, explica.
Não por acaso, Quarto de Despejo sempre retorna em momentos de crise política e social no Brasil. Seja no período da ditadura, da redemocratização ou mesmo recentemente, durante a pandemia e o acirramento das desigualdades, o livro se mostra urgente e necessário.
A trajetória de Carolina rompeu o silêncio imposto às mulheres negras em um país que sempre apagou suas vozes. Hoje, sua escrita é símbolo de representatividade e resistência, abrindo portas para tantas outras autoras e autores negros que seguem contando o Brasil por um ângulo que, por muito tempo, foi invisibilizado.
Celebrar 65 anos de Quarto de Despejo é mais do que reverenciar uma obra literária: é reafirmar que a história do Brasil também precisa ser contada pelas mãos de quem viveu as dores, mas não deixou de registrar a esperança.