Ao longo da história, a linguagem complicada foi, e ainda é, uma forma de manter o poder nas mãos de poucos. Palavras difíceis, frases longas, textos extensos e cheios de termos técnicos criam barreiras que limitam o entendimento das pessoas e reduzem seu interesse por temas que afetam diretamente a vida. É dessa forma que nasce a burocracia, com seus processos demorados, documentos difíceis, produtos e embalagens com informações confusas e comunicações que, em vez de esclarecer, aumentam a distância entre quem produz a informação e quem precisa dela para entender e tomar decisões como escolher, recusar e contribuir.
No fim, a complexidade da linguagem acaba sendo um filtro de acesso ao conhecimento e ao poder, com reflexos claros na vivência e consumo de conteúdos em setores como consumo, política, justiça, religião, finanças, meio ambiente, educação e saúde. Quem domina a linguagem se apropria do debate, define a oferta e, consequentemente, as escolhas da maioria.
Nesse cenário, cresce a necessidade de investir em linguagem simples. Mais do que um recurso de escrita, trata-se de um compromisso com a inclusão e com a cidadania. Utilizar palavras claras, frases bem estruturadas e comunicação acessível não significa empobrecer o conteúdo, mas sim abrir espaço para que mais pessoas possam compreender, participar e se engajar. Os números reforçam a urgência desse assunto.
Segundo o Indicador de Alfabetismo Funcional (INAF), milhões de brasileiros até conseguem ler palavras e frases simples, mas não são capazes de interpretar com segurança textos mais longos ou documentos oficiais. Isso significa que boa parte da população fica vulnerável diante de contratos, políticas públicas, embalagens, rótulos, etiquetas, informações sobre saúde ou até mesmo o entendimento sobre as mudanças climáticas. Quando a linguagem é difícil, o resultado é a exclusão: cidadãos e cidadãs que deveriam ter acesso a informações claras, acabam afastados, sem condições de participar plenamente da vida social e política.
Nos últimos anos, algumas iniciativas importantes apontam para a mudança. Em 2023, a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) publicou a versão brasileira de uma norma internacional que orienta como aplicar os princípios da linguagem simples. O Conselho Nacional de Justiça lançou um programa para aproximar o cidadão da linguagem usada em tribunais, facilitando o acesso à justiça. E diferentes órgãos públicos já vêm adotando medidas para simplificar sua comunicação, mostrando que o Estado pode ser mais claro e transparente. Esses passos ainda são iniciais, mas indicam um movimento que precisa ganhar força em toda a sociedade.
A adoção da linguagem simples no dia a dia tem efeitos muito concretos para o exercício da cidadania, consumo e preservação de direitos. Uma bula médica que explica de forma clara como usar um remédio aumenta a adesão ao tratamento e melhora a saúde das pessoas. Um contrato bancário escrito sem vocabulário técnico permite que consumidores entendam com clareza suas obrigações e direitos. Uma decisão judicial apresentada em termos diretos mostra que a justiça não é apenas uma ideia distante, mas uma prática acessível.
Um produto que contenha informacões claras e transparentes sobre como foi produzido e o seu real impacto para a saúde, sociedade e planeta, pode definir a escolha de uma compra. No campo ambiental, a tradução de palavras e termos, como carbono, emissões de CO2, biodiversidade, combustíveis fósseis, entre outros, permitem com que as pessoas, das crianças aos idosos, compreendam e participem de assuntos importantes. Esses exemplos mostram que a escolha pela clareza tem impacto real e imediato na vida e inclusão das pessoas. Lembrando sempre que o óbvio só existe quando se tem o conhecimento.
Por isso, a linguagem simples deve ser entendida não apenas como uma técnica de comunicação, mas como uma postura ética e política. É reconhecer que a informação e o entendimento, não podem ser privilégios de poucos, e devem ser realmente tratados como direitos universais, como é estabelecido desde 1948, pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. É trocar a barreira das palavras complicadas por pontes de compreensão, participação e engajamento. Quando governos, empresas, instituições e profissionais adotam essa prática, abrem espaço para mais vozes, fortalecem a democracia e ampliam a confiança da população em seus processos, contribuindo para combater a manipulação do conhecimento, por meio do exercício acessível da linguagem.
Escrever de forma simples e clara é apostar na democracia do entendimento. É garantir que temas que afetam nossa vida individual e coletiva, como direitos públicos, direitos do consumidor, direitos das crianças, mulheres, idosos, populações vulneráveis e discriminadas, tenham acesso, envolvimento e voz, quando tratamos de temas econômicos, políticos, sociais, ambientais, para que o conhecimento seja, de fato, um direito. Num país em que a desigualdade já exclui em tantas áreas, a clareza na comunicação pode e deve ser uma ferramenta poderosa de inclusão, encorajamento e empoderamento.
No fim, comunicar de forma clara não é apenas uma questão de estilo ou estética. É um ato empático e político que aproxima, envolve e devolve às pessoas o poder de compreender, de participar e de agir. E é justamente esse poder que fortalece a cidadania, amplia a democracia e constrói uma sociedade mais justa e consciente.