O dado de que pretos e pardos chefiam a maioria dos lares em que há fome no Brasil revela uma faceta profunda da desigualdade estrutural do país. A fome, nesse contexto, não é apenas a falta de alimento, mas o reflexo direto de um sistema que historicamente exclui e precariza a população negra. A cor da pele ainda define as chances de acesso à educação, emprego e renda digna, o que perpetua um ciclo em que o trabalho existe, mas o sustento não é garantido.
Grande parte da população negra e parda ocupa funções de baixa remuneração, muitas vezes em condições informais ou de subemprego. São trabalhadores e trabalhadoras que sustentam o funcionamento das cidades motoristas, empregadas domésticas, pedreiros, ambulantes, mas que, apesar do esforço diário, não alcançam estabilidade financeira. A ausência de proteção trabalhista e o baixo salário os colocam à margem do consumo e da segurança alimentar, mesmo quando há emprego.
Essa realidade é resultado de séculos de exclusão que empurraram pretos e pardos para as posições mais vulneráveis do mercado de trabalho. A herança da escravidão, a falta de políticas educacionais inclusivas e o racismo estrutural que ainda determina oportunidades criam um cenário em que a ascensão social é exceção, e não regra. O subemprego, portanto, é uma expressão moderna da desigualdade racial: uma forma de manter a população negra em um lugar socialmente inferiorizado, mesmo quando está empregada.
Enquanto isso, a renda dessas famílias é corroída pelo alto custo de vida e pela falta de acesso a políticas públicas eficazes. Com rendimentos baixos e instáveis, qualquer aumento no preço dos alimentos ou do transporte é suficiente para agravar a situação de fome. O problema, portanto, não é apenas econômico é também político e social. Trata-se de uma fome produzida pela estrutura desigual que organiza o país, onde o trabalho negro continua a ser o mais explorado e o menos valorizado.
A desigualdade no mercado de trabalho e a insegurança alimentar caminham juntas, alimentando um ciclo de pobreza que afeta majoritariamente a população preta e parda. Romper esse padrão exige mais do que programas de auxílio temporário: requer uma transformação estrutural que inclua educação de qualidade, políticas afirmativas e garantia de empregos dignos. Somente assim será possível enfrentar a fome não como um fenômeno isolado, mas como o resultado de uma sociedade que ainda precisa reconhecer o valor do trabalho e da vida negra.