Direito ao sagrado em tempos de intolerância
“É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. Artigo V, Inciso VI da Constituição Federal.
Apesar de constar de forma absolutamente explicita em nossa Constituição, como destacado acima, os direitos e garantias fundamentais, a todo e qualquer brasileiro/a, seu exercício pleno no Brasil ainda é um árduo e difícil caminho. Quando remetemos à dimensão religiosa, aí então vale o dito popular –“o bicho pega”, em particular quando se trata das religiões de matriz africana.
Lamentavelmente a Intolerância Religiosa continua presente em nosso país e sendo o carro chefe das violências que atingem o ser humano no amago das suas convicções mais sagradas e no caso da comunidade negra, remete, inevitavelmente, para o período mais triste da história do Brasil: a Escravidão. Além disso, produz consequências amargas e nocivas não apenas para o desenvolvimento do ser humano, mas ao país e a sociedade, como um todo.
Na raiz da intolerância religiosa está contido o vírus mais perverso da iniquidade humana – o preconceito. E como seus irmãos siameses, a discriminação e o autoritarismo. A partir desta tríade são corroídas, quando não destruídas, as possibilidades mais elementares da convivência harmônica e fraterna entre os seres humanos.
No caso brasileiro, isto é mais grave ainda, pois quase sempre está associado à discriminação racial, quando não a violência física pura e simples. Mais que isto, há determinados setores religiosos (neopentecostais) que tem buscado não só impedir que a liberdade de culto seja exercida em nosso país, mas tenta capturar o próprio Estado brasileiro para subordiná-lo as suas crenças e interesses políticos e religiosos. É bom lembrar, que estes setores estão organizados, inclusive partidariamente.
Ou seja, a intolerância religiosa, não tem nada de inocente e interfere diretamente numa das grandes conquistas do mundo contemporâneo que é a laicidade do Estado e o direito a liberdade de culto. Este comportamento que está impactando negativamente a todos os setores da sociedade brasileira, tem provocado ondas de intolerância, violência e atentados aos direitos mais sagrados numa democracia – os direitos humanos.
Permitir que esses setores avancem politicamente na sociedade brasileira, é o mesmo que admitir o retorno à idade média, período histórico em que a inquisição, as fogueiras e a tortura eram os instrumentos utilizados para o convencimento do outro no campo da política e da religiosidade.
Discutir esse tema, em que pese alguns tentarem tergiversar com o argumento de que “religião não se discute”, é fundamental para a construção de uma sociedade democrática, harmônica e igualitária, visto que acompanha este discurso religioso intolerante, uma agenda política extremamente conservadora e que atinge parcela significativa da nossa população de maneira clara e objetiva.
Portanto, combater, mobilizar e impedir a aprovação de leis tais como: as que definem Núcleo familiar como aquele formado exclusivamente por homem e mulher, a aprovação da redução da maioridade penal, a liberação do uso de armas ou a obrigatoriedade do ensino religioso nas escolas públicas é muito mais que fazer política partidária, é na verdade assegurar o desenvolvimento civilizatório do nosso país.
Toca a zabumba que a terra é nossa!
Zulu Araujo
Foi Presidente da Fundação Palmares, atualmente é presidente da Fundação Pedro Calmon – Secretaria de Cultura do Estado da Bahia.
*Este artigo reflete as opiniões do autor. A Revista Raça não se responsabiliza e não pode ser responsabilizada pelos conceitos ou opiniões de nossos colunistas