Revista Raça Brasil

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Elevador, racismo, Casa Grande

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Emiliano José

Paulista radicado na Bahia, jornalista, escritor, e imortal da Academia de Letras da Bahia. Formado em Comunicação, Mestre e Doutor. Tem histórica militância política, desde o combate à ditadura militar (1964-1985), como integrante da Ação Popular (AP), passando pelo exercício de mandatos como deputado estadual pelo PMDB-BA (1988-1989), vereador de Salvador pelo PT-BA (2000-2002), deputado estadual (PT-BA) de 2003 a 2005, e deputado federal também pelo PT de 2009 a 2011. Elegeu a defesa das religiões de matriz africana como prioridade e presidiu a Comissão Especial para Assuntos da Comunidade Afrodescendente (CECAD) da Assembleia Legislativa da Bahia (2003 e 2004).

Essa fase recente da vida política brasileira é muito reveladora do nosso caráter, da nossa identidade nacional. A emergência de uma liderança de extrema-direita, e não estou discutindo qualidades de tal liderança, nem conteúdo intelectual, nem discernimento, nem inteligência, o surgimento dela teve uma consequência, dentre tantas, e nenhuma delas positiva: permitiu vir à tona um pensamento até então submerso ou tímido, reacionário no limite extremo, presente na sociedade brasileira.

É como se a Casa Grande presente na alma de tanta gente pudesse agora se expressar às claras. Pudesse dizer tudo sem timidez. O ex-presidente, já em prisão domiciliar, passou a vocalizar um discurso homofóbico, racista, misógino, de ódio aos pobres sem qualquer restrição, e abriu as portas do inferno. Esse inferno era aqui. Estava na sala de estar, na mesa do jantar. Na convivência cotidiana. Na alma desses monstros, todos de aparência de gente boa e pacífica, todos os sinais de uma sociedade marcada pela escravidão, à qual o País esteve submetido por mais de três séculos.

Abro assim, para falar de uma coisa boa: recentemente, dia 30 de setembro deste ano da graça de 2025, a Assembleia Legislativa da Bahia aprovou o fim de um marco da escravatura em nossas cidades: acaba com a diferenciação entre elevador social e elevador de serviço. Este, chamado assim, servia como o lugar dos negros, das negras, dos pobres, dos trabalhadores, especialmente das trabalhadoras domésticas.

Essa nítida prática de racismo, de discriminação, de tentativa de separar o mundo do trabalho do restante, ocorre entre nós, naturalizada. Junto racismo e discriminação porque não se trata apenas da cor da pele, embora essa conte muito, até porque milhões de trabalhadoras e trabalhadores domésticos são negras, negros.

As pessoas de bem não gostam de se misturar nem com negros nem com pobres. A Casa Grande quer conviver apenas com os íntimos dela. À sala de jantar, serviçais, chamados assim, só devem entrar quando a patroa ou patrão acenar, quando acionar a sineta. E nada de se misturar nos elevadores deles.

Não é incomum patroas manifestarem inconformismo quando alguma empregada doméstica entra no elevador chamado social. Às vezes, preferem não entrar, acintosamente, quase a dizer “quem essa neguinha pensa que é?”, isso quando não dizem mesmo. Havia condomínios onde as empregadas domésticas só podiam entrar pela garagem.

Não era incomum também a reclamação de algumas patroas contra a presença de alguma empregada doméstica subir carregando criança no colo num elevador social. Esses episódios típicos de racismo e discriminação são mais acentuados ainda nos prédios de luxo. A burguesia não quer o paraíso conspurcado pela ralé.

Alguns condomínios baianos se adiantaram e mudaram o nome do elevador de serviço para “de carga e descarga”. Espera-se não seja nenhum subterfúgio para manter qualquer resquício de racismo e discriminação. Até aqui, o elevador chamado de serviço era a Senzala, o local para onde eram encaminhados as trabalhadoras e trabalhadores, fossem os domésticos, fossem quaisquer outros operários ou operárias. Em cada prédio, essa linha divisória, uma espécie de muro a demarcar território, a separar as classes, a expressar, queiram ou não, uma surda luta de classes.

Avançando. Essa iniciativa do Legislativo baiano é positiva. Lento, no entanto, nosso caminhar para a superação das marcas da Casa Grande. Só recentemente, sob governos do presidente Lula e Dilma, as empregadas domésticas passaram a gozar de direitos semelhantes aos demais trabalhadores brasileiros, a se libertar de uma espécie de trabalho escravo. Conquista civilizatória, e tardia.

Ainda há muito a fazer para chegarmos a uma democracia onde todos os brasileiros, brasileiras, compreendidas as diferenças, as singularidades, possam ter boas condições de vida e onde o racismo e a discriminação estejam ausentes.

Para isso, temos de seguir adiante, e é fundamental, para tanto, reeleger Lula, derrotar a extrema-direita, novamente. Sem um Estado comprometido com um projeto democrático, as coisas ficam muito mais difíceis, como já foi possível constatar, nos anos 2019-2023. Por isso, é Lula de novo, com a força do povo.

 

Essa publicação é fruto de uma parceria especial entre a Revista Raça Brasil e o Fórum Brasil Diverso, evento realizado pela Revista Raça Brasil nos dias 10 e 11 de novembro, que celebra a diversidade, a cultura e a potência da música negra brasileira. Não perca a oportunidade de participar desse encontro transformador — inscreva-se já www.forumbrasildiverso.org

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