Revista Raça Brasil

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A fala e o desejo: como o que ouvimos influencia o que consumimos

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Lucio Vicente

Formado em Comunicação Social pós-graduado em Gestão de Marketing, especialista em Socioeconomia e MBA em Economia e Gestão do Agronegócio. Diretor geral do Instituto Akatu. Coautor do livro ‘O Encontro com a Sustentabilidade: Contribuições do Psicodrama’.

A forma como nos comunicamos sempre moldou o que valorizamos. Desde que os primeiros discursos religiosos e políticos ajudaram a definir o que era bom, belo ou necessário, as palavras também passaram a organizar nossos desejos. O consumo nasceu nesse mesmo terreno simbólico, em que mensagens constroem significados e esses significados se transformam em escolhas. No passado, a comunicação parecia seguir uma linha clara: alguém falava, outro ouvia e a mensagem era transmitida. Mas mesmo então, ninguém recebia uma informação de forma neutra. Cada pessoa interpretava o que ouvia a partir das suas vivências, do que aprendia em casa, nas ruas ou no trabalho. O que muda hoje é que essa interpretação, que antes era silenciosa e individual, se tornou coletiva e visível.

As redes sociais transformaram completamente essa dinâmica. Agora, qualquer pessoa pode falar, opinar, corrigir ou distorcer uma mensagem em questão de segundos. As ideias circulam sem dono, ganhando novas formas a cada compartilhamento. O que compramos, defendemos ou desejamos passa a depender muito do que as pessoas ao nosso redor dizem e sentem. Em vez de uma influência vertical, vinda da autoridade ou da publicidade, vivemos um tipo de influência horizontal, que acontece entre amigos, colegas, familiares e comunidades virtuais. O pertencimento se tornou um filtro poderoso. A repetição das mesmas mensagens dentro dos nossos grupos faz com que certas ideias pareçam mais verdadeiras e certos produtos mais indispensáveis.

Essa mudança revela que a comunicação é hoje o principal espaço onde o valor das coisas é definido. Cada mensagem fala mais do que o produto em si: ela carrega uma visão de mundo, um estilo de vida e uma promessa de pertencimento. Ao comprar, não buscamos apenas algo útil, mas também algo que comunique o que acreditamos. O discurso em torno do consumo passou a ter tanta força quanto o produto. Quando uma marca fala sobre sustentabilidade, propósito ou inclusão, o que está em jogo não é apenas a venda, mas a criação de sentido. As pessoas se conectam com aquilo que confirma sua identidade ou reforça o que desejam ser.

De acordo com o Digital News Report 2024, do Reuters Institute, os brasileiros tendem a confiar mais nas informações que recebem de pessoas conhecidas do que nas notícias publicadas pelos meios de comunicação tradicionais. Essa tendência ajuda a compreender por que o consumo é hoje tão influenciado por conversas entre amigos, familiares e comunidades digitais, nas quais a confiança e o pertencimento moldam o que consideramos verdadeiro, desejável e necessário. Hoje, o valor de algo nasce tanto das histórias que o cercam quanto de suas qualidades reais. Um produto pode ser simples, mas se estiver alinhado ao que um grupo considera importante, ele ganha outro peso simbólico. A comunicação cria e reforça essas percepções, transformando opinião em desejo e desejo em comportamento de compra.

Esse processo, no entanto, traz desafios. Quando nos mantemos dentro de grupos que pensam igual a nós, passamos a enxergar o mundo por um mesmo conjunto de referências, o que pode limitar o olhar e reduzir o senso crítico. As redes, por natureza, tendem a repetir o que já conhecemos, e essa repetição afeta o modo como consumimos. Ampliar o repertório pessoal é uma forma de escapar desse ciclo. Buscar novas experiências, conhecer perspectivas diferentes e refletir sobre o que está por trás das mensagens permite tomar decisões com mais autonomia. Quanto mais diverso for o nosso repertório, mais livres nos tornamos para escolher, e mais equilibradas se tornam as interpretações coletivas.

A comunicação sempre acompanhou as grandes mudanças da sociedade. As redes digitais são a expressão mais recente desse movimento e talvez a mais desafiadora, porque misturam emoção, opinião e desejo em tempo real. Cada decisão de consumo é, em parte, uma resposta a esse ambiente. Quando escolhemos um produto, também escolhemos a narrativa que o acompanha e o tipo de mundo que queremos fortalecer. Pensar sobre o consumo é, portanto, pensar sobre ética e sobre o papel que temos como participantes de uma conversa maior. O valor das coisas não está apenas no preço que pagamos, mas no significado que damos a elas. A comunicação, quando usada com consciência, pode nos ajudar a enxergar esse sentido e a transformar o consumo em um gesto mais humano e responsável.

 

Essa publicação é fruto de uma parceria especial entre a Revista Raça Brasil e o Fórum Brasil Diverso, evento realizado pela Revista Raça Brasil nos dias 10 e 11 de novembro, que celebra a diversidade, a cultura e a potência da música negra brasileira. Não perca a oportunidade de participar desse encontro transformador — inscreva-se já http://www.forumbrasildiverso.org

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