Revista Raça Brasil

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O legado vivo da Marcha das Mulheres Negras

Instalada na Praça da República, em Belém (PA), a Black Zone virou, durante estes dias de COP30, um espaço de acolhimento, troca e muita força. Mulheres negras de diferentes regiões do Brasil chegam ali trazendo suas histórias, suas dores, suas memórias e, principalmente, seus afetos. Enquanto, nas salas oficiais, o mundo discute o futuro do clima, na Black Zone acontece algo tão urgente quanto: a escuta e a afirmação da voz das mulheres negras brasileiras — que há décadas denunciam desigualdades, propõem soluções e constroem caminhos coletivos.

No centro desse encontro está Raimunda Nilma Bentes, a Dona Nilma. Belenense, artista, escritora, ativista… e uma das responsáveis por plantar a semente da primeira Marcha das Mulheres Negras, em 2015. Ela lembra que tudo começou quase como um chamado, durante uma atividade na Bahia, quando sentiu que era hora de algo maior, capaz de unir milhares de mulheres que carregavam dores semelhantes, mas também a mesma vontade de mudança. Daquele momento nasceu a marcha que, anos depois, levaria cerca de 70 mil mulheres à Praça dos Três Poderes, em Brasília.

Aquele 18 de novembro de 2015 mostrou algo que já estava ali, vivo, só esperando ser ouvido: uma necessidade profunda de cura, de dignidade, de espaço e de futuro. Muitas das mulheres que caminharam naquele dia nem faziam parte de movimentos organizados — mas se reconheceram umas nas outras. Caminharam contra o racismo, contra a violência, e por um ideal de bem viver que atravessa tudo.

Agora, dez anos depois, elas se preparam para voltar às ruas no dia 25 de novembro — e, infelizmente, com pautas muito semelhantes, ainda urgentes. Falam sobre reparação histórica, enfrentamento ao racismo estrutural, xenofobia e sobre a necessidade de um Brasil que enxergue suas mulheres negras como protagonistas, e não como exceção. Para Maria Malcher, do Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará, reparação não é apenas olhar para trás — é corrigir todo o presente que ainda impede que essas mulheres vivam com justiça e liberdade.

E o bem viver, que sempre guiou a marcha, aparece de novo com força. Dona Nilma explica que ele não está só nas grandes discussões internacionais, como justiça climática, transição energética justa ou economia centrada na vida. Ele também está nas questões do dia a dia: no trabalho doméstico que não é valorizado, no cuidado sempre colocado sobre elas, na falta de representação política e nos desafios que mudam de acordo com cada território. Para as mulheres negras — que são a maioria das mulheres brasileiras — a crise climática não é uma notícia distante: é mais um peso somado às desigualdades históricas.

É nesse contexto que nasce o Comitê Nacional das Mulheres Negras por Justiça Climática, oficializado no último dia 10 de novembro, reunindo 36 organizações. O objetivo é claro: garantir participação real nas decisões da COP30 e construir ações concretas. Além da grande marcha, o grupo prepara um manifesto que será entregue aos Três Poderes, além de encontros com mulheres da América Latina, Caribe, juventudes e movimentos LGBTQIAPN+.

Outras frentes também se fortalecem. O Levante Negro pela Educação lança seu manifesto; redes econômicas negras apresentam novos dados; e uma cartilha organizada por Flávia Ribeiro registra a história e as propostas desta segunda marcha — um guia para quem deseja caminhar junto.

Dez anos se passaram, e a Marcha das Mulheres Negras segue lembrando ao Brasil algo que não pode ser esquecido: sem justiça racial, não existe democracia. Sem ouvir as mulheres negras, não existe futuro sustentável. Elas caminham por si, pelas que vieram antes e pelas que ainda virão. E caminham, como sempre, juntas.

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