Tóim, cadê você?

“Essa é Lu. De pequeno, Lu só tem o nome.
Ela tem olhos grandes como duas jabuticabas,
nariz achatado e uma boca cor de jambo.
Mas o que Lu tem de maior é um cabelo enoooorme
que pode dar a volta ao mundo.”

 

“Tóim, cadê você?” é um dos livros da artista e ativista Tamires Lima, a obra nasceu da inquietação por ver tantas crianças que não aceitam o seu cabelo natural, como ela também não aceitava. “Comecei a escrever a narrativa que é o reflexo da minha própria história e de muitas outras meninas e mulheres negras que passam por tantos processos químicos e tratamentos capilares antes de aceitarem seus cabelos naturais e se reconhecerem na sua identidade”. Neste livro ela conta a história de Lu, uma menina que reclamava tanto com seu cabelo chamado Tóim que ele fugiu. Ao procurar a ajuda de sua avó, Flor, ela aprende que o cabelo crespo é lindo e após pedir desculpas eles se tornam amigos inseparáveis. Com ilustração e texto da jovem autora, nascida em Recife – PE, o livro compõe um novo e importante momento no mercado editorial brasileiro, que é marcado, hoje, pelas possibilidades que temos de expressão do nosso lugar de fala e consciência crítica, como Tamires explica: “Acredito que incentivar as crianças negras a amarem a si mesmas por meio da produção frequente de ilustrações com personagens negros, negras, gordas, com cabelos crespos black power, trançados ou soltos, criando principalmente personagens femininas, é uma forma de empoderamento que ajuda as crianças  e adultos de hoje, e os adultos do amanhã que crescerão em um cenário diferente do que vivemos hoje.”

Além de ‘Tóim, cadê você?’ (2014), a ilustradora e escritora Tamires Lima é autora do livro Fabrincando (2015), que ensina a fazer brinquedos populares. Fabrincando teve 920 cópias distribuídas em espaços públicos e gerou um ciclo de oito oficinas de brinquedos em escolas públicas, além de circulação internacional através de editais patrocinados pelo MinC, Secult-BA, com a produção do Flotar e curadoria de Juci Reis, sendo os projetos: Brincantes (2016) e Fabrincando, na Feira Internacional do Livro de Guadalajara – México (2016). Graduada em Design (UFBA) e Mestre em Desenho, Cultura e Interatividade (UEFS), atualmente é professora de Design na Escola de Belas Artes da UFBA, e tem como foco projetos relacionados à cultura afrobrasileira, ilustração e animação.

Conversando com Tamires sobre a importância não apenas da representatividade no campo da expressão, falamos sobre o campo da criação e a maneira como, para a construção de qualquer mudança, temos que ocupar os lugares de criação e autoria, elaborando a desconstrução das formas de dominação de dentro para fora, como relata:

 

“Sobre minha trajetória profissional, sinto na pele a importância de ser uma professora mulher e negra numa Universidade Federal e percebo como posso servir como referência nesse sentido. Imagino que hoje em dia as turmas têm 2 ou 3 professores negros (as) em sua formação universitária e estar lá como docente é uma forma de resistência e de dizer: nós também podemos ocupar esse lugar. Como a minha linha de atuação é a ilustração, animação e literatura infantil, como professora de computação gráfica na UFBA, desejo orientar os alunos a passar por essa desconstrução de seguir um padrão eurocêntrico ao desenhar, pois, para mim quando estamos desenhando, estamos refletindo um pouco sobre e em nós mesmos. Sinto uma tristeza ao ver a quantidade de personagens brancos que os alunos reproduzem, mesmo se estamos em Salvador, essa cidade com tantas influências da cultura afrobrasileira… Eu percebo que na maioria dos livros didáticos e paradidáticos infantis brasileiros existe pouca representação da população negra em seus conteúdos e quando existe, o personagem negro raramente é o protagonista da história. Também percebo que os ilustradores e designers estão tão acostumados a criar segundo um padrão eurocêntrico que eles têm dificuldade em desenhar o negro com verossimilhança, contraste, luz e sombra. Então busco fazer a diferença com meu trabalho, ao colocar o personagem negro em papel de destaque. Quando criei Fabrincando (2015) coloquei os personagens negros em evidência para desconstruir preconceitos ocultos e mostrar um diferencial no segmento das publicações infantis. Assim, contribuo com a produção de mais publicações com esta preocupação e para que as crianças possam ampliar o seu imaginário e se reconhecer a pluralidade do povo brasileiro e de sua cultura. Fabrincando ensina a fazer brinquedos e fala da importância do trabalho artesanal, se aprofunda em ações que valorizam o brinquedo popular como uma expressão da cultura material de um povo, visibilizando outros aspectos da negritude”.

Tamires Lima materializa em diversos âmbitos a nossa luta por representatividade, desde a sua inserção como docente numa universidade federal, à consciência crítica que direciona suas práticas como pesquisadora e as metodologias que propõe, à força da autoria dos livros infantis investindo na construção de repertório na infância, como campo mais árduo dessa batalha de nos fazer enxergar com nossos próprios olhos e compartilhar, de dentro, as nossas narrativas.

Capa Fabrincando (2015), Tamires Lima.

 

Tamires Lima, Fotografia de José Elias

 

Capa Tóim, cadê você?’ (2014), Tamires Lima

 

CAROL BARRETO

Mulher Negra, Feminista e como Designer de Moda Autoral elabora produtos e imagens de moda a partir de reflexões sobre as relações étnico-raciais e de gênero.  Professora Adjunta do Bacharelado em Estudos de Gênero e Diversidade – FFCH – UFBA e Doutoranda no Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade – IHAC – UFBA, pesquisa a relação entre Moda e Ativismo Político.

*Este artigo reflete as opiniões do autor. A Revista Raça não se responsabiliza e não pode ser responsabilizada pelos conceitos ou opiniões de nossos colunistas

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