A arte em todas suas formas 

Camila Rocha

O que será que sai quando juntamos uma passista e um músico? Nesse caso aqui deu uma menina maravilhosa e talentosíssima chamada: Camila Rocha. Nascida e criada na comunidade da Rocinha, localizada na Zona Sul do Rio, a atriz de 28 anos desde muito nova já tinha a música ea dança pulsando em suas veias e desde momento em que ingressou no grupo teatral Nós do Morro e depois ganhou uma bolsa em uma escola de balé clássico em Copacabana, a arte a envolveu completamente. Hoje, além de ser preparadora corporal, diretora de movimento e bacharelanda em dança na UFRJ, ela ainda é atriz e está brilhando na novela das 21h Travessia. E é com ela nosso bate-papo desta edição:

Camila é um prazer tê-la nas páginas da Raça e gostaríamos de começar perguntando: quem é Camila Rocha?

Bom, eu digo que sou multiartista. Como diz minha mãe, eu já danço desde antes de nascer! Na barriga dela eu ouvia uma música e já chacoalhava muito, então eu tenho uma história com a arte desde muito nova. Meus pais sempre foram do carnaval, eu desfilo desde criança e sempre dancei. Comecei a fazer teatro, e aí toda a minha adolescência até a fase adulta fiz no “Nós do morro” e fui indo até que fiz a faculdade de dança pela UFRJ. E eu tento sempre fazer uma junção de tudo. Meu aprofundamento é em preparação corporal e em direção de movimento, que é a área na qual eu atuo. Então, já fiz alguns espetáculos dirigindo a Mariana Nunes, a Tati Vilela, que foi o último espetáculo que elas fizeram. Sou premiada internacionalmente pelo prêmio Sundance com a atuação em um filme chamado Paciência selvagem. E este filme eu tenho muito carinho, fiz com a Bruna Lins Maia e com a Zélia Duncan. Tem uma bagagem de pesquisa, de troca do nosso corre preto!

Conta um pouco qual a importância do Nós do Morro na sua vida. O Nós do Morro era a minha segunda casa, praticamente. Eu comecei lá muito nova, tive a oportunidade e o prazer de ter contato com eles, de ter contato com o Guti Fraga, com a Fátima Domingues, com a Yaya, que são professores que eu trago pra vida e que me ensinam até hoje.Lá eu tive a oportunidade de fazer aula de cinema, aula de dança, aula de voz, aula de corpo. Eu sinto que eu fui muito bem preparada, eu fui muito bem encaminhada naquele espaço. Então, hoje estar fazendo TV por exemplo, é uma riqueza pra mim que venho do teatro. Embora lá não fosse focado nisso, a gente estava muito bem amparado para poder entrar no personagem, de dar conta de fazer um novo trabalho, seja no palco, na TV, fosse onde fosse, nós estávamos prontos.

Em um ano você estava em “Quanto mais vida melhor”, no ano seguinte você estava em “Travessia.” Como foi para você estrear na TV Globo e já estar em duas novelas seguidas?

Acho que a minha família sempre sonhou mais do que eu, que eu estivesse na televisão. Sempre houve uma expectativa do tipo: “Um dia você vai estar na televisão, vai fazer filme, vai fazer novela” e o que eu sempre gostei foi de fazer o meu trabalho. Fosse no palco ou na tv, mas estar hoje na tv tem sido uma experiência tão gostosa, e um trabalho é muito diferente do outro! Eu comecei atuando na série, então entendi como era esse universo de série sendo gravada em um lugar como a Globo. Depois “Quanto mais vida melhor” que também me proporcionou um amadurecimento após a série. E agora fazer a novela das nove tem um amadurecimento muito maior, tem um entendimento maior, de como funciona, como é a dinâmica. Eu me sinto muito grata por ter conseguido passar de uma novela pra outra, e ainda mais feliz, de eles estarem gostando, embora pra mim tenha demorado. Apesar de parecer muito próximo, já se passaram uns 8 meses, quase um ano de uma novela pra outra.

Como é encarar uma personagem, com características tão fortes e marcantes como o de Tininha?

A Tininha vem me surpreendendo cada dia mais. A Glória veio trazendo outros caminhos pra Tininha. Hoje eu diria que ela se impõe mais do que no começo da novela, por exemplo. Tem sido muito gostoso traçar as nuances diferentes que ela traz, de se colocar, de ser muito observadora. Isso é uma coisa que eu trago, a Fátima Domingues que é uma professora lá do Nós no morro, me perguntou: O que você vai emprestar pra Tininha? Eu falei o que eu vou emprestar é o meu olhar que tem muito a ver com a personagem, embora ela seja bem diferente de mim; eu emprestei o olhar pra ela, de observar tudo, as relações e ter uma palavra muito certeira como palavra de vó. Que tem essa riqueza também no Maranhão, por exemplo. O encanto da cidade, o encanto das histórias de como se passa. Quando eu recebi o teste, não tinha escrito que era mesmo no Maranhão, a Dani mandou algumas frases soltas e montou um texto pra eu poder fazer, só que eu como uma boa geminiana li Maranhão, e tambor, aí pensei: só pode ser tambor de crioula. E eu já danço tambor de crioula, já faço parte de alguns grupos folclóricos aqui do Rio de Janeiro, como a CIA folclórica da UFRJ, então eu botei uma saia na bolsa e fui fazer o teste. Quando eu cheguei lá, fiz o meu teste e perguntei pra Dani: vocês vão falar sobre tambor de crioula? Ela falou: sim. Eu perguntei se podia dançar, peguei minha saia, ensinei a música para eles e concluí o teste dançando. E desde quando falaram que sim, você passou no teste, eu fiquei pensando: agora vou me aprofundar no Maranhão, um estado que eu não conhecia de perto. 

E como foi a experiência no Maranhão?

É Então quando começou a preparação. Eu fui para o Maranhão 10 dias antes de começar a gravar e aí eu literalmente virei a Tininha andarilha, porque eu andava por São Luís o dia inteiro. Acordava cedinho, tomava café da manhã, pegava meu caderninho e ia pra rua. Entrava em loja, saia, entrava de novo(risos). A personagem já tinha uma coisa de viver em um vilarejo e de ter uma venda. Eu fui trazendo pro meu laboratório pessoal, para construir essa personagem com o real, que existia, porque pode existir ou existem várias Tininhas no Maranhão, várias Tininhas em Mandacaru. Então pra mim era muito importante ter esse contato com as mulheres maranhenses, e com a galera de lá e ser mais palpável para eu enxergar enquanto eu estivesse fazendo e gravando, ver esse Maranhão. Desde os áudios que eu ouvia, ou escrevia, eu fui construindo essa personagem. Porque pra mim é importante essa representatividade. Hoje me mandam mensagem falando: nossa, eu não sabia que você era carioca, eu pensei que você fosse maranhense. Eu recebo muitas mensagens assim. Eu fui uma vez fazer compras no mercado, e algumas maranhenses me pararam e perguntaram de onde do Maranhão eu era. Eu respondi “Ô mulher, eu sou carioca.”

Você costuma tratar nas suas redes sociais bastante a questão da beleza, cabelo e representatividade. Como é cuidar da beleza estando em uma personagem a tanto tempo?

Enquanto mulher preta é sempre entre nuances. A gente não está sempre 100% bem, mas é sobre a gente ir se entendendo, ir se conhecendo também, então eu digo que vou vivendo um capítulo por vez e entendendo como eu estou me sentindo.E fazer novela é engraçado, porque a gente fica presa na personagem durante um bom tempo. Nessa eu vou ficar 1 ano e meio, e eu gosto muito de mudar cabelo, fazer trança; então, em cada brechinha que eu posso, eu vou lá e mudo o cabelo, faço uma trança, que isso faz com que eu me conecte comigo também, não fique sempre só na personagem o tempo todo. Mas é dessa forma, devagarinho e vendo e sentindo, é assim que eu tenho feito. 

Gostaria que você fizesse sua análise do quadro geral como artista, como você vê os negros hoje?

Acho que caminhamos muito, mas temos muito que caminhar ainda! Esse final de semana estava em um aniversário de um amigo, e encontrei uma galera lá. Eu fui dar um cheiro na Cris Viana e pensei: que gostoso, por que são muitas pessoas que estavam ali, que fizeram todo um corre pra que eu pudesse chegar onde eu estou agora, e mesmo com todas as dificuldades que ainda tem, todo o racismo que ainda se impera em todos os lugares da mídia, audiovisual e afins a gente deu um avanço. Eu estar ali tendo a oportunidade de fazer mais do que um papel na tv, é muito grandioso. É perceber que já não é como era antes. Já tem um caminho que a gente percorreu, e é isso. O caminho que eu percorri agora vai também abrir caminho para minha irmã, meus filhos, sobrinhos. Então, eu acho que é um caminho constante, um dia por vez, mas pensando em tudo que dá para fazer, e dá para chegar

O que podemos esperar da Camila nos próximos meses e para o futuro?

Um pós-novela não sei, tem algumas coisas que podem surgir, mas eu estou aberta. O que eu vou fazer já é a preparação de um espetáculo que é um filme chamado Noite das estrelas, que inclusive já ganhou alguns prêmios e está rodando nos Estados Unidos e vai virar uma peça itinerante nas favelas do Rio de Janeiro, começando pela Maré. Esse é um projeto que já está acontecendo e vai vir. É isso, muita pesquisa, muita vivência, eu sou apaixonada por pesquisar, ainda que eu não esteja no personagem, eu estou sempre pesquisando, e buscando e fora os prêmios que ainda estão gerando do filme, tem mais um para pegar, eu estou esperando o meu troféu do Sundance chegar. E ler, ler bastante. É uma das coisas que mais gosto de fazer.

Queria que você deixasse uma mensagem para o público da Raça.

Eu gostaria de agradecer a vocês por existirem. Quando eu conversei com minha assessoria, eu falei: uma das revistas que eu quero ter esse contato é com a revista Raça, porque eu acho muito incrível você passar e ver grandão um dos nossos na capa. Eu queria ter uma parede com várias revistas da Raça. Então, é mais agradecer pela existência de vocês, por trazerem a gente pra perto e por permitir que a gente se sinta tão pertencente em um espaço que também é nosso. De estar aí com a cara estampada, em uma capa, com uma notícia, de ver e ouvir mais dos nossos então é agradecer mesmo, obrigada pelo percurso de vocês que me fazem acreditar que é possível também, estar em uma capa de revista, estar em uma entrevista e ser vista e ouvida.

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