A banalidade do mal diante do avacalhamento do bem. 

Nunca fui de acreditar em superstições, mas depois que tomei conhecimento da última chacina realizada na cidade de Mata de São João, na Bahia, no último dia 29 de agosto, deste ano, fiquei tão impactado que tomei uma decisão: Só escreverei meu artigo semanal para a Revista Raça, após o fim do mês de agosto. Isto porque, o velho provérbio que afirma que o “mês de agosto é o mês do desgosto”, materializou-se de forma tão cruel e sem precedentes, que me recusava a acreditar. 

Para além do cotidiano de violências que a sociedade brasileira convive, dois fatos bárbaros e cruéis exemplificam o que estou afirmando e ambos ocorreram na Bahia, terra de onde sou originário. O primeiro ocorreu no último dia 17 de agosto de 2023, no município de Simões Filho, região metropolitana de Salvador, onde Mãe Bernadete, uma Yalorixá e líder quilombola, com 72 anos de idade, foi brutalmente assassinada com 22 tiros, sendo que 12 deles no rosto, dentro de casa, tendo como testemunhas seus três netos. Independente das razões políticas ou econômicas que motivaram o assassinato e que todos sabemos. E por isso mesmo, continuamos aguardando a identificação, prisão e condenação dos executores e mandantes, o “modus operandi” utilizado pelos criminosos, foi de uma crueldade sem igual. Afinal, era uma senhora de 72 anos, indefesa e sem qualquer possibilidade de reação.  

O segundo caso, ocorreu também na região metropolitana de Salvador, na cidade de Mata de São João, local que conheço muito bem, onde um homem, arregimentou mais três amigos, para assassinar um desafeto amoroso e na ação mataram nove pessoas, sendo que três delas eram crianças, duas outras vizinhas que tentaram socorrer um adolescente de 12 anos que estava ferido e pedia ajuda desesperadamente. Não satisfeitos, incendiaram as casas onde essas pessoas moravam deixando-as completamente carbonizadas. O motivo, segundo a política: ciúmes do ex-namorado de uma das vítimas. Convenhamos, isso não é razão para se matar uma formiga, quanto mais nove pessoas. 

A banalidade do mal, descrita por Hanna Arendt, em seu famoso livro, sobre a violência do nazismo, na segunda guerra mundial, tem se apresentado no Brasil, nos últimos tempos de forma plena. Estamos resgatando a pedagogia da morte, tão usada pelos colonizadores portugueses no período colonial, quando além de enforcar, esquartejavam e expunham em praças públicas os restos mortais do condenado. Esse desapreço humano, que imaginávamos estar sepultado pelo processo civilizatório, retornou de forma vigorosa nas comunidades periféricas da Bahia e do Brasil. Esse comportamento expressa de forma clara e avassaladora “a recusa do caráter humano do homem, alicerçado na negativa da reflexão e na tendência em não assumir a iniciativa própria de seus atos”. 

Por ser um otimista militante, preferi escrever esse artigo no primeiro dia do mês da primavera, estação onde a natureza se renova, se embeleza anunciando o verão, independente dos furacões, tempestades e terremotos, por acreditar que apesar de tudo, vale a pena sonhar com dias melhores. Mesmo após quatro anos onde a perversidade e o desprezo pela vida humana, avacalhou o bem querer e o cuidado com próximo no Brasil, de tal forma que levou morte mais de 700 mil pessoas, ainda assim continua valendo a pena lutar. 

Não podemos nos esquecer de que essa brutalidade, agora naturalizada, além de expressar a desumanização de parte de nossa sociedade, também expressa a ausência de quase tudo pra esse grande contingente da população, onde quem se vê como um nada, trata o outro como um nada e o extermina como se nada fosse. 

Toca a zabumba que a terra é nossa!

Fonte: Zulu Arújo

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