A bola nunca vem redonda para nós

Colunista: Mauricio Pestana

Existe uma frase de uma filósofa famosa no movimento negro brasileiro que diz “a bola nunca vem redonda para nós”, quando cai temos que nos virar. Nesse contexto ela pontua acontecimentos e avanços que obtivemos desde os tempos da escravização em que sempre quando negros e negras são lembrados ou chamados, não tem jogo fácil ou bola redonda.

No caso do Brasil, é só lembrar que o fim da escravização não veio com políticas compensatórias, e levamos mais de 100 anos para que o Estado brasileiro começasse a implantar as primeiras ações afirmativas, na prática traduzidas em cotas raciais nas universidades, gerando um debate de mais de 10 anos e somente depois de o Supremo Tribunal dar ganho de causa, e uma ampla negociação incluindo também os brancos pobres com as cotas sociais, o debate diminuiu, ou seja, sem jogo fácil ou bola redonda.

No caso específico dos Estados Unidos também nunca foi fácil. A chegada do primeiro negro a ocupar a Casa Branca foi precedida da maior crise econômica que aquele país vivenciou neste século, a famosa “crise da bolha imobiliária”, levando o sistema financeiro à beira da falência, com o fechamento de instituições e o governo tendo que socorrer vários bancos. E mais… o país estava metido em duas guerras, a do Iraque e a do Afeganistão, ou seja, Obama herdou um país quase quebrado e teve que decidir sobre o futuro de duas guerras. O então candidato não só venceu as eleições, mas também, nos oito anos que esteve à frente da Casa Branca, conseguiu colocar o país nos eixos.

Agora, pela segunda vez em sua história, as eleições de novembro próximo podem levar uma pessoa não branca à cadeira número 1 da nação. E dessa vez uma mulher, diferente de Obama, que sofria além de todos os preconceitos o estigma de não ter experiência administrativa no Executivo. Kamala carrega a bagagem de um mandato como vice-presidente do país, com a vantagem de ter sido indicada pelo presidente Biden. E mais: herda um país com índices de inflação e desemprego baixos, então quais são os desafios ou as bolas quadradas que Kamala terá que encarar?

Ter que vencer uma eleição no qual a candidata entra na campanha a pouco mais de três meses é o primeiro dos desafios, ou seja, terá que disputar com um oponente que já está em campanha e fazendo parte do noticiário há muito mais tempo e que inclusive já ocupou a presidência. O segundo desafio é mais complexo: a fronteira do México e a questão dos imigrantes nos Estados Unidos, temas árduos desta campanha, e a própria Kamala não foi muito feliz quando teve que lidar com o problema na prática como vice-presidente. O terceiro e mais complicado de todos os desafios da atualidade nas campanhas eleitorais dos grandes países do mundo ocidental: como lidar com as fake-news?

Este último item pode ser decisivo na eleição de Kamala, e seu adversário sabe disso, por isso já começou uma campanha nas redes sociais apontando que inflação e desemprego são alarmantes no governo Biden e, obviamente, ele fala para um público que não consegue ler os números favoráveis da economia, mas sente a carestia no dia a dia e vota com o bolso. Problema que conhecemos bem no Brasil: entre os números da inflação e o custo de vida para os mais humildes existe uma diferença.

Enfim, Kamala sentirá o preço de ser governo, e ter que defender o governo, e defender políticas que muitas vezes não ficam muito claras para imigrantes, latinos, mais pobres, sejam brancos ou negros, que nos dias de hoje muitas vezes se informam quase sempre pelo noticiário das fake-news do WhatsApp, numa eleição extremamente curta. Essa poderá ser a grande bola quadrada para que a primeira mulher e não branca possa sentar na cadeira número 1 da maior potência econômica e militar do Ocidente !

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jornalista CEO e presidente do Conselho editorial da revista RAÇA Brasil, analista das áreas de Diversidade e inclusão do jornal da CNN e colunista da revista IstoÉ Dinheiro

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