A cor do pacote
Lançado com grande alarde após uma reunião de um dia inteiro entre o presidente Lula e o ministro da Fazenda Fernando Haddad, o pacote de ajuste fiscal conseguiu algo que há muito tempo uma medida econômica não conseguia em nosso país: desagradou todo mundo! O poderoso mercado foi o que mais esperneou com as medidas, pois isentou-se imposto de trabalhadores, o quenão é comum, afinal quem mais paga imposto é o mercado, leia-se: as empresas, “claro, na visão do mercado”. Então que negócio é esse, de isentar do imposto de renda o trabalhador, e quem vai pagar essa conta?
A arrecadação de impostos brasileiros é uma história de injustiça e desigualdades. O Brasil possui um dos sistemas tributários mais complexos e desiguais do mundo, em quehistoricamente os pobres e pretos são os principais contribuintes, pagando na fonte dos seus salários e em tudo que consomem, inclusive alimentos. E se tem algo de positivo nesse pacote é a isenção de imposto de renda para a faixa de quem ganha até R$ 5.000 por mês, exatamente onde se encontra a faixa média de trabalhadores negros, ganhando entre R$ 2.858 e R$ 4.956.
Analisando nossos impostos indiretos (ICMS, IPI, ISS), que incidem sobre o consumo, também aparece a camada mais pobre, consequentemente preta, da população brasileira que gasta mais proporcionalmente à sua renda em bens essenciais. Na outra ponta estão as grandes empresas e corporações, que recebem benefícios fiscais, reduzindo sua carga tributária. Exemplo disso têm sido as empresas automobilísticas, campeãs em isenção de impostos nas últimas décadas. Ainda temos que lembrar da sonegação de impostos, que é comum entre os ricos, enquanto os pobres não têm como escapar da tributação.
Outro fator a ser lembrado são as diferenças salariais entre negros e brancos, uma das marcas das nossas desigualdades. Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) demonstram que a maioria da população que recebe até R$ 5.000 é formada por pessoas negras; já a presença negra no grupo dos super-ricosbrasileiros é simplesmente inexistente nessa parcela em que 1% da população tem rendimento médio equivalente a 39,2 vezes o rendimento dos 40% dos brasileiros, como mostram números divulgados pelo IBGE, que foi alvo da taxação desse pacote. Talvez partam daí as principais críticas do mercado, que tem seus dirigentes nessa faixa salarial, geralmente homens brancos, como mostram as pesquisas.
No mais, existem pontos altos e pontos baixos nas medidas, como o aumento do salário mínimo, que continuará subindo acima da inflação mas com teto, por conta do arcabouço fiscal, mas também tem medida positiva, como o fim da aposentadoria especial para parentes de militares que foram expulsos das Forças Armadas. Outro ponto positivo é o de limitar salários de servidores públicos a R$ 44.000, justíssimo, afinal o salário mínimo aqui é de R$ 1.412, mais uma vez salário esse da maioria da população preta e pobre desse país.
É cedo para dizer se o pacote é mais positivo ou negativo para a população preta e pobre, que é a maioria da população desse país. Também não sabemos como sairá esse pacote depois dos acréscimos, emendas e mexidas quando for votado no Congresso, mas uma coisa é certa, a julgar pela chiadeira geral do mercado e de outros setores da população: esse pacote já se caracterizou como o mais polêmico e mais diverso dos últimos tempos.