A história do cineasta Zózimo Bulbul

Veja a história desse grande cineasta negro e leia a homenagem que o militante do movimento negro Zulu Araújo fez a Zózimo

 

TEXTO: Redação e Zulu Araújo | FOTO: Ierê Ferreira | Adaptação web: David Pereira

Zózimo em frente aos arcos da Lapa, no Rio de Janeiro | FOTO: Ierê Ferreira

Zózimo em frente aos arcos da Lapa, no Rio de Janeiro | FOTO: Ierê Ferreira

Ele fez história. Rompeu paradigmas em uma época em que a figura do negro na TV e no cinema era ainda mais estereotipada. Com a força de um guerreiro, usou a sétima arte como ferramenta de luta social e abriu caminho para que as futuras gerações de realizadores negros pudessem trilhar a estrada aberta por ele e discutir, de forma real, as problemáticas raciais e a experiência dos negros no Brasil. Estamos falando de Zózimo Bulbul que, aos 75 anos, partiu, vitimado por um câncer.

Bulbul começou sua carreira como ator nas peças encenadas pelo Centro Popular de Cultura da UNE, nos anos de 1960. Foi um dos maiores expoentes da cultura afro-brasileira. No cinema, estreou em 1962 no filme Cinco Vezes Favela e fez mais de 30 filmes.

Mesmo enfraquecido pela doença, seguia com seus projetos e trabalhos. No final de 2012, realizou o 6º Encontro de Cinema Negro Brasil/África, realizado no Centro Afro Carioca de Cinema, fundado por ele. Uma de suas últimas entrevistas foi concedida ao cineasta norte-americano Spike Lee, que prepara um documentário sobre o Brasil. Ícone de um tempo, Zózimo, deixará seu nome para sempre marcado na história do cinema brasileiro. A convite da Revista Raça Brasil, o militante do movimento negro e produtor cultural, Zulu Araújo escreveu suas impressões para homenagear a trajetória do Mestre, que seguirá viva no trabalho das novas gerações de artistas comprometidos com a verdadeira representação do negro no cinema e na TV.

Veja a homenagem de Zulu Araújo à Zózimo Bulbul

E O MUNDO PERDE UM GRANDE E INQUIETO REBELDE

por JOEL ZITO ARAÚJO

Morreu o negro mais bonito do cinema brasileiro. Para além da beleza física que deu brilho a filmes como Compasso de Espera (1973), e telenovelas como Vidas em Conflito (1969), e sem deixar que essa beleza se tornasse um empecilho para si, Zózimo Bulbul foi um dos mais persistentes e criativos defensores de uma produção cinematográfica afro-brasileira. Foram traços marcantes do seu legado a rebeldia, a inquietação, a postura pan-africanista e a militância a favor da construção de uma identidade positiva do negro.

Zózimo foi pioneiro no cinema assim como Abdias Nascimento foi no teatro. Ambos foram contestadores e visionários para sua época. É possível ver uma continuidade entre a obra cinematográfica e a ação artística e militante de Zózimo Bulbul com a herança deixada pelo também falecido senador Abdias do Nascimento, criador do Teatro Experimental Negro (TEN) nos anos de 1940. Foram metas comuns aos dois denunciar o falso mito da democracia racial, combater a discriminação contra o negro e promover sua autoestima. É o que podemos ver tanto na obra dramatúrgica e plástica de Abdias Nascimento quanto nos filmes de Zózimo Bulbul. Destacamos os seus clássicos: Alma no Olho, um curta experimental e vanguardista sobre a identidade do negro, realizado em 1974, e depois o histórico documentário Abolição, de 1988, que refletiu sobre os 100 anos de abolição e registrou para a posteridade as imagens e o pensamento dos mais importantes personagens do movimento negro brasileiro na segunda metade dos anos de 1980.

A paixão pela África e a busca da construção de pontes e laços duradouros entre artistas africanos e brasileiros foram também características comuns a estes dois artistas e militantes. E, por fim, a preocupação em ajudar na formação de novos artistas negros, aspecto central do TEN que renasceu nos Encontros de Cinema e nas atividades educativas voltadas para novos realizadores cinematográficos. Essas atividades são desenvolvidas pelo Centro Afro-Carioca criado por Zózimo Bulbul em parceria com sua esposa, Biza Viana.

Eu, que tive a sorte de ter o Zózimo Bulbul no elenco de Filhas do Vento, sinto uma dupla tristeza com a morte dos dois que ocorreu em menos de um ano, que imagino ser comum à maioria dos afro-brasileiros amantes das artes. Mas, orgulhosamente, também compartilho a alegria de ser parte de uma geração que teve os queridos Zózimo e Abdias como amigos e como exemplos.

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