A história do samba-reggae

Em sua coluna “o samba-reggae e Neguinho do samba” na Raça Brasil, Margareth Menezes discorre sobre as origens do samba-reggae. Confira

 

TEXTO: Margareth Menezes* | FOTO: Divulgação Estúdio Gato Louco | Adaptação web: David Pereira

 

A coluna de Margareth Menezes, "Música e Militância", aborda a música como divulgação de valores e conquistas do povo afro-brasileiro | FOTO: Estúdio Gato Louco/Divulgação

Margareth Menezes aborda a história do samba-reggae | FOTO: Divulgação Estúdio Gato Louco

Que bons ventos estejam soprando por todo universo, saudações a todos! Não pude deixar de ler, na edição 183 da Raça, a entrevista do meu querido irmão e parceiro Carlinhos Brown, pessoa que admiro, respeito e tenho um carinho muito especial. Na entrevista, quando Brown responde sobre o surgimento do samba-reggae, ele me esclarece fatos que escaparam da história em um determinado momento. Para falar sobre isso, liguei para ele. Tivemos uma das conversas mais interessantes que já tive a oportunidade de ter com alguém sobre o surgimento desse universo das divisões rítmicas e suas fusões, que constrói o diferencial da música contemporânea na Bahia.

Brown discorreu sobre o aparecimento da palavra ‘samba-reggae’ e sua migração para o domínio dos blocos afros. Sobre isso também me falou Zulu Araújo, que à época era um dos diretores do Olodum e que conviveu com Neguinho do Samba e, inclusive, escreveu um artigo a pedido do próprio sobre o samba-reggae naqueles primeiros momentos. Também Tonho Matéria, que é um dos maiores compositores da linha afro, dos sambas-reggaes e das temáticas afro-brasileiras, me falou de acontecimentos incríveis sobre esse começo.

Para mim, no entanto, está bem claro que em nenhum momento se desqualifica a importância do Neguinho do Samba para a renovação e conquista efetiva da música afro contemporânea da Bahia no cenário da world music e da pop music internacional.

O surgimento desse conceito de mistura afro moderna ficou reconhecido no mundo inteiro como samba-reggae. Ou seja, samba-reggae, mais do que o nome de uma determinada batida, virou um rótulo de reconhecimento popular das músicas criadas nos blocos afros, independente de seus desdobramentos particulares, assim como são os sambas-enredos das escolas de samba.

Acho isso de uma importância incrível para definir e defender o espaço e a importância desses criadores natos que são os artistas populares que surgem nas periferias de Salvador. Diferentemente da axé music, a indústria da música baiana nunca valorizou, e ainda não valoriza o trabalho feito pelos artistas proeminentes do movimento afro. A falta de compreensão, no que diz respeito ao valor social dessa temática, faz com que se crie uma fronteira invisível nessas relações. No Rio de Janeiro e em Pernambuco, por exemplo, acontece o oposto. A relação dos grandes artistas com os grupos de conceito cultural e artístico é super cultuada e respeitada.

A longevidade desse conceito, em todos os aspectos, é muito maior, vide a nossa história. O Ilê Aiyê completou 40 anos, o Olodum 35 anos, e muitos outros grupos e artistas que têm como base a cultura afro e a música popular estão vivos e com muitas histórias para contar. Independente do criador do rótulo, a força gerada por esse conceito bombástico de expressão rítmica tomou conta do mundo. Para mim, mesmo amando e compreendendo Brown, considero que o maestro Neguinho do Samba é e sempre foi o “pai do samba-reggae”, e isso independe de outras histórias. Foi ele quem registrou o samba-reggae e assumiu essa criação.

Na sua simplicidade e competência, Neguinho do Samba mostrou a que veio e, mesmo sem ter aproveitado financeiramente do potencial da sua obra, escreveu seu nome na história com dignidade e às claras, para todo mundo ver.

Na minha vida, o samba-reggae entrou de maneira inusitada. Gravei o primeiro registro fonográfico de um samba-reggae a convite de Djalma Oliveira, que fazia parte da incipiente indústria da música baiana naquele momento. Quase desperdicei a chance de registrar a música de Luciano Gomes, “Faraó – Divindade do Egito”, que saiu pela Sony Disco em 1987. Foi há 25 anos, e isso marca minha história e a minha carreira como artista.

No mesmo ano, cantei pela primeira vez no Olodum e, também por causa da gravação, estreei como cantora no Carnaval puxando um trio elétrico. Sempre considerei o trabalho dos líderes dos blocos afros, como Vovô do Ilê, João Jorge, do Olodum, os diretores do Muzenza, Malê de Balê, Filhos de Gandhy, Araketu e muitos outros. A partir de 1987, pude conhecer mais de perto o trabalho dos blocos afros. Hoje, conheço pessoas geniais que fizeram parte do momento embrionário do nascimento destes cruzamentos rítmicos da Bahia.

O trabalho desenvolvido por essas sociedades civis vai muito além da simples questão de criar um ritmo para sair no carnaval. A mensagem primordial está em um trabalho de visão social e política, importantíssima para o desenvolvimento da comunidade, da vida social e, de modo mais geral, da valorização da autoestima do povo afro-brasileiro.

A única coisa que eu tenho certeza é que, assim como o samba-reggae dos blocos afros ganhou o mundo sem precisar do apelo da grande mídia brasileira, também será o futuro do novo povo afro-brasileiro!

 

*Margareth Menezes é cantora e compositora

Quer ver essa e outras colunas e reportagens da revista? Compre essa edição número 185.

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