Revista Raça Brasil

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A história dos soldados negros que libertaram, mas ainda lutam para serem lembrados

Quando Jefferson Wiggins tinha apenas 19 anos, foi enviado ao sul da Holanda durante a Segunda Guerra Mundial para cumprir uma das missões mais dolorosas do conflito: enterrar jovens soldados americanos — muitos da mesma idade que ele. Chovia, nevava, o frio cortava a pele. Sem máquinas, apenas pás e picaretas. Sem descanso, nem aos domingos. Sem reconhecimento.

Jefferson e centenas de soldados negros fizeram esse trabalho pesado, traumático e silencioso. Homens que serviam a um país que, em vida, os segregava — mas que, na morte, os colocava para sepultar companheiros brancos que nem podiam sentar ao lado deles num refeitório.

Décadas depois, Jefferson ainda se emocionava ao lembrar daqueles dias. “As pessoas deveriam saber”, repetia sempre para a esposa, Janice. Ele sabia que sua história não era só dele — era de todos os homens negros que lutaram em duas guerras ao mesmo tempo: a que acontecia nos campos de batalha e a que acontecia dentro do próprio exército.

Em 2023, após anos de insistência e luta, Janice conseguiu que um painel fosse instalado no centro de visitantes do cemitério de Margraten, local onde Jefferson e sua equipe trabalharam. Era a primeira vez que a história dos soldados negros era contada ali, de forma aberta, sincera e humana.

Mas, em março de 2025, o painel foi removido sem explicação pública. A justificativa oficial dizia que o conteúdo estava “fora do escopo”. Para quem conhece a realidade, a remoção soou como algo mais profundo: apagamento.

A ausência daquele painel não é apenas simbólica. É dolorosa.

É como se alguém dissesse, mais uma vez, que a contribuição daqueles homens não importa tanto assim.

A remoção gerou revolta na Holanda. Autoridades locais pediram a reinstalação, moradores protestaram e historiadores apontaram o perigo de reescrever a história com base no silêncio.

A verdade é que a Holanda foi libertada por soldados americanos — muitos deles negros — que arriscaram suas vidas em um país onde nunca tinham pisado. Os holandeses sabem disso. E querem que isso permaneça registrado.

O que essa história nos lembra?

Que não é apenas sobre um painel.

É sobre dignidade.

Sobre reconhecer quem carregou o peso mais duro.

Sobre não permitir que o racismo volte a moldar o que merece ser contado.

A história desses soldados não é um detalhe da guerra — é parte essencial dela.

E quando tentam apagá-la, o que se perde não é só informação: é humanidade.

Jefferson Wiggins viveu até os 87 anos contando tudo que viu porque acreditava que o mundo precisava ouvir. Que a memória cura. Que a verdade liberta. Que lembrar é um ato de resistência.

Hoje, a luta continua nas mãos de sua esposa, de pesquisadores, de uma comunidade inteira — e de todos que acreditam que histórias negras importam, merecem lugar, merecem voz.

E, como Janice disse, ele nunca quis ser herói.

Ele só queria que ninguém fosse esquecido.

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