A luta contra o racismo no Brasil
Leia a coluna de Maurício Pestana sobre a luta contra o racismo no Brasil
TEXTO: Maurício Pestana* | FOTO: Rafael Cusato | Adaptação web: David Pereira
Uma das coisas que sempre chamaram minha atenção na luta contra o racismo é a tentativa de se igualar ações específicas (pela igualdade de oportunidades no trabalho, na educação, na saúde e em reparações) aos séculos de escravismo dos negros, a outras lutas de grande importância, como o respeito e a valorização da cultura indígena e cigana, o respeito à condição sexual e também da discriminação de gênero.
No Brasil, quando se fala da discriminação racial, se o interlocutor não sentir a questão na pele – e quiser lavar as mãos posando de bom samaritano – de imediato, ele invocará o espírito cristão e dirá: “Os indígenas também sofrem discriminação, os gordos, os nordestinos, os estrangeiros, os homossexuais, as mulheres, os sem-teto …” Colocará tudo em um grande caldeirão onde racismo, discriminação, homofobia, machismo e intolerância parecerão a mesma coisa, ou seja, chagas incuráveis de uma sociedade doente.
É obvio que o racismo organicamente está estruturado nas relações de poder da sociedade, diferentemente da homofobia e do machismo, coisas também distintas que pouco ou nada têm a ver com os séculos de escravidão e todas as consequências nefastas que vivemos até os dias de hoje, com prejuízos incalculáveis para apenas um grupo, os negros.
Generalizar toda essa questão só dificulta e dilui a eficácia de cada luta. O interessante nessa interface de misturar lutas contra a discriminação é a exclusão que as próprias lutas fazem quando o assunto é questão racial. É bom lembrar que alguns avanços nesse quesito impulsionaram reivindicações de outros grupos. Maior exemplo foi a criação da lei 10.639/03, incentivando os indígenas no Brasil a reivindicar a incorporação de suas lutas à lei, o que originou a lei 11.645. Poderíamos citar outras iniciativas de avanços obtidas, clara e abertamente, na carona da luta racial brasileira por outros grupos.
A questão a ser pensada é que mesmo os não machistas, os não homofóbicos, os indígenas, os homossexuais e demais discriminados da sociedade não estão isentos de serem racistas. Essa constatação vem à tona quando tentamos fazer o caminho inverso, o de incorporar algumas conquistas desses grupos à nossa luta. Percebemos então, nesse momento, que estamos sós.
O maior exemplo disso é a política de cotas no Brasil. Oficialmente elas existem desde a época do governo Vargas e beneficiou vários setores, inclusive, filhos de fazendeiros durante o regime militar sem nenhum alarde da sociedade. Incorporou as mulheres também, ao reservar 30% das vagas eletivas dos partidos políticos a elas. Bastou o movimento social negro reivindicar cotas para ter acesso a universidades públicas brasileiras para receber críticas de todos os lados, chegando ao ponto de nos acusarem de querer dividir o país. Um grupo de intelectuais, homens e mulheres, alguns até com um passado ligado às lutas democráticas e populares, assinaram manifesto contra nossa reinvidicação.
Ficamos mais uma vez quase sozinhos em mais uma luta legítima. Um bom pretexto para suscitar esses preconceitos enrustidos foi dado recentemente. O senado aprovou uma lei, sancionada pela presidenta da República Dilma Rousseff , multando as empresas que praticarem desigualdades salarial entre homens e mulheres que ocupam as mesma funções dentro da empresa. Justíssima iniciativa, uma vez que todas as pesquisas relacionadas ao mercado de trabalho mostram que as mulheres recebem salários inferiores aos dos homens. Ocorre que as mesmas pesquisas do IBGE, DIEESE e IPEA apontam para uma pior situação na diferença salarial entre negros e brancos no Brasil, em que um trabalhador negro recebe em média 50% do salário de um branco. No caso da mulher negra, há uma dupla discriminação, por ela ser mulher e negra. Imagine se os negros pegassem carona nessas pesquisas, o que seria justo, e reivindicassem uma lei de salários iguais aos dos brancos? Provavelmente nos diriam que provocaríamos uma revolução comunista no país, querendo, além do trabalho, o salário dos brancos brasileiros.
*Maurício Pestana é diretor executivo da RAÇA BRASIL – pestana.raca@escala.com.br
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