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A luta contra o racismo que não acaba

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Fernanda Alcântara

Editora assistente do Portal Raça. Jornalista e mestre em Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP). Pesquisadora em quadrinhos, venceu o Prêmio HQ MIX (2012) na categoria melhor TCC. Por quatro anos foi editora-chefe da Revista Raça e desde 2014 realiza palestras sobre temas como comunicação, diversidade e igualdade racial e de gênero. Em 2016 foi convidada pelo Consulado Norte-Americano a integrar o Social Inclusion in USA: International Visitor Leadership Program. Deste 2019, atua com comunicação popular na frente de texto no Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST).

Estamos na África do Sul, em uma segunda-feira de março de 1960. Naquela manhã, manifestantes se reuniam em um campo próximo à delegacia de Sharpeville, cantando canções de liberdade e marchando com um espírito cheio de determinação e esperança. De repente, tiros ecoam. Um pequeno tumulto perto da entrada da delegacia fez a multidão avançar, e a polícia, sem aviso, abriu fogo. O tiroteio durou cerca de dois minutos, mas foi suficiente para deixar 69 pessoas mortas e mais de 180 feridas, muitas delas baleadas pelas costas enquanto tentavam fugir.

Organizado pelo Congresso Pan-Africano (PAC), liderado por Robert Mangaliso Sobukwe, o ato era um dos primeiros passos da campanha contra as “leis dos passes”, documentos que controlavam os movimentos da população negra e simbolizavam a humilhação do regime segregacionista. Sobukwe enfatizou que o protesto seria pacífico, um ato de desobediência civil em que os manifestantes destruiriam seus passes e se apresentariam às delegacias para serem presos. 

O objetivo daquele protesto era questionar o racismo institucionalizado naquele país começando pela leis dos passes, e não por acaso. O documento especificava onde cada um podia circular, trabalhar e viver, e a pessoa negra que fosse pega sem o passe ou em áreas “proibidas” era presa, multada ou deportada para áreas designadas, como os “bantustões”. Estas, por sua vez, eram áreas marginalizadas e geograficamente delimitadas para excluir os negros da cidadania sul-africana e justificar a segregação racial. 

O massacre de Sharpeville, em 21 de março de 1960, marcou a história como um dos momentos mais trágicos da luta contra o apartheid na África do Sul. O dia, que começou com um protesto pacífico e cheio de esperança e terminou em violência e morte, deixando uma ferida profunda na história do país e do mundo. 

A resposta do governo ao massacre foi tão chocante quanto o próprio evento. No dia seguinte, o primeiro-ministro Hendrik Verwoerd elogiou a polícia e acusou os manifestantes de atirar primeiro. Naquele momento, o massacre de Sharpeville já ganhava repercussões globais. Em 1966, a Organização das Nações Unidas (ONU) declarou o dia 21 de março como o Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial, uma homenagem às vítimas e um chamado para que o mundo combata o racismo em todas as suas formas. A data também marcou uma virada na luta contra o apartheid.

Sharpeville também é aqui

São Paulo, dia 1º de outubro de 1992, 8h da manhã. Se você leu com a voz de Mano Brown, sabe que os gritos ecoam e o cheiro de morte toma conta do pavilhão. Cento e onze presos indefesos, mas presos, são quase todos pretos. Se hoje Sharpeville é um símbolo da luta pela dignidade humana e um alerta sobre os perigos do racismo e da opressão, Carandiru nos lembra que a violência policial, o acesso precário à saúde e as altas taxas de homicídios perpetuam o racismo para além das fronteiras. Assim como em Sharpeville, a luta por justiça e igualdade segue urgente e necessária.

No Brasil, continuamos a maioria das vítimas de violência e desigualdades sociais. Segundo o Atlas da Violência 2023, 78% das vítimas de homicídios no país são negras. A taxa de assassinatos de negros é 2,6 vezes maior do que a de “não negros”, um dado que evidencia a gravidade e necessidade de se debater a eliminação do racismo. Mas assim como no apartheid, os homicídios não são a única forma de nos matar. Dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde mostram que negros têm maior probabilidade de morrer por causas externas, como acidentes de trânsito, agressões e intervenções policiais. 

A violência policial, em particular, segue como problema grave, seja em África, seja aqui. Jovens negros são as principais vítimas de operações policiais em comunidades periféricas, muitas vezes sem qualquer tipo de investigação ou responsabilização. Esses fatores combinados mostram como o racismo impacta diretamente a expectativa de vida: dados do IBGE indicam que a população negra vive, em média, menos do que a população branca, uma diferença que reflete décadas de exclusão e negligência.

Para além do nosso genocídio de cada dia, a luta contra o racismo segue também com políticas públicas eficazes e ações concretas. A criação de mecanismos para combater a violência policial, ampliação do acesso à saúde e a educação de qualidade, e a promoção de oportunidades econômicas para a população negra são passos diários que precisam ser tomados. 

Eliminar o racismo também significa reconhecer e valorizar a história e a cultura negra, além de combater estereótipos e promover a representatividade em todos os espaços. Se Sharpeville nos lembra da importância de resistir contra a opressão, a luta contra o racismo é presente e está longe de terminar. Transformar a dor em ação neste 21 de março significa garantir que futuras gerações possam viver.

E para você, o que significa a eliminação do racismo?

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