Revista Raça Brasil

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A mulher que saiu de um abrigo para mudar o futuro da medicina com nanopartículas

Em 1990, Ijeoma Uchegbu chegou a Londres com três filhas pequenas — uma delas ainda bebê —, uma mala e quase nenhum dinheiro. O sonho era recomeçar, mas a realidade foi dura: em poucas semanas, ela estava morando em um abrigo para pessoas em situação de rua.

O que ninguém imaginava é que aquela mulher, cercada por incertezas, se tornaria uma das maiores especialistas do mundo em nanopartículas — e, anos depois, seria homenageada pelo próprio rei Charles III, com o título de Dama Comandante da Ordem do Império Britânico, pelos serviços prestados à ciência e à inclusão.

A jornada de Ijeoma é marcada por coragem, dor e determinação — e começa muito antes disso.

Um nome com significado e uma infância partida

Filha de estudantes nigerianos que foram ao Reino Unido em busca de um futuro melhor, Ijeoma recebeu um nome cheio de esperança: “tenha uma boa viagem”. Quando bebê, foi deixada sob os cuidados de uma família temporária, enquanto os pais tentavam estudar e se estabelecer.

Por quatro anos, viveu feliz com essa família — até que, um dia, o pai biológico apareceu para buscá-la. “Eu não fazia ideia do que estava acontecendo. Minha mãe adotiva simplesmente sumiu, e de repente havia um homem dizendo que era meu pai”, lembra.

Crescer dividida entre lares, sem entender direito onde pertencia, marcou profundamente sua infância. Aos 13 anos, reencontrou a mãe biológica — uma mulher amorosa, mas que morreu um ano depois, aos 33 anos. “Eu gritei de dor. Nunca imaginei que não a veria de novo.”

A mudança que redefiniu o futuro

Criada na Inglaterra nas décadas de 1960 e 1970, Ijeoma enfrentou o racismo e a falta de referências negras em posições de destaque. Naquela época, sonhava apenas em trabalhar em uma loja.

Mas tudo mudou quando o pai decidiu retornar à Nigéria. No início, ela resistiu, mas essa transição acabou transformando sua vida.

“Foi a melhor coisa que me aconteceu, porque redefiniu completamente minhas aspirações”, conta. Lá, ela mergulhou nos estudos de ciências e matemática — áreas que compreendia mesmo em meio ao choque cultural.

Aos 16 anos, já estava na universidade cursando farmácia. Depois veio o mestrado, o casamento e as três filhas. Mas a relação não deu certo — e ela decidiu voltar para o Reino Unido, em busca de algo maior: ser cientista.

Do abrigo à ciência

De volta a Londres, Ijeoma se viu novamente sem dinheiro e sem casa, morando com as filhas em um abrigo precário. “Era como uma prisão. Onze famílias dividiam um banheiro. Às vezes fechavam a cozinha, e ficávamos sem como cozinhar.”

Mesmo assim, ela não desistiu. Enquanto buscava doutorados, se deparou com uma vaga que pesquisava algo que nunca ouvira falar: partículas minúsculas, que mais tarde seriam chamadas de nanotecnologia.

Aceitou o desafio — e mergulhou na ciência. Três anos depois, em uma conferência, conheceu o alemão Andreas Schätzlein, também cientista. “Depois de quatro dias, eu estava perdidamente apaixonada”, diz. Ele largou tudo para viver com ela e suas filhas.

Juntos, tornaram-se parceiros na vida e na ciência, desenvolvendo nanopartículas capazes de transportar medicamentos diretamente ao local da doença, tornando os tratamentos mais eficazes e com menos efeitos colaterais.

Do riso à revolução

Hoje, Ijeoma é professora de Nanociência Farmacêutica no University College London (UCL) e presidente do Wolfson College, em Cambridge.

Mas, além das pesquisas, também usa o humor como ferramenta para ensinar ciência. “Percebi que, quando fazia piadas, os alunos prestavam mais atenção. Então fiz um curso de comédia. Foi apavorante, mas incrível.”

Ela também se tornou uma voz ativa pela igualdade e representatividade dentro da universidade. Implementou ações simples — como incentivar alunos de minorias étnicas a dizer seus nomes corretamente ou incluir cientistas negros nos exemplos de aula —, mas que tiveram impacto profundo.

“Uma mulher com deficiência me procurou chorando e disse: ‘Obrigada por terem se empenhado em retirar os nomes de eugenistas dos prédios’. Foi quando percebi o poder dessas mudanças.”

Um conselho para o futuro

Com a sabedoria de quem atravessou oceanos, abrigos e preconceitos, Ijeoma deixa um conselho simples, mas poderoso:

“Não escolha uma profissão pelo dinheiro. Escolha algo que faça seu coração vibrar. Se você seguir sua paixão e fizer o que ama, ficará bem.”

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