A Mulher Rei e o protagonismo de mulheres pretas no mercado audiovisual

Por: Maria Gal

Tive a oportunidade de assistir a pré-estréia do filme A Mulher Rei no Copacabana Palace, e o que me comoveu, enquanto mulher preta retinta, atriz e produtora é que para além do contexto de onde e quando se passa a narrativa, ele é um filme que fala também sobre afeto, sororidade, ancestralidade, feminismo preto. Um filme dessa magnitude e grandeza dentro do seu contexto histórico e baseado em fatos reais, tem uma grande complexidade e assistir Viola, na frente e por trás das telas realizando um filme como este nos fortalece e certamente nos inspira enquanto comunidade preta. Eu sou muito fã do trabalho da Viola e do seu posicionamento enquanto mulher preta e retinta, tive a oportunidade de encontrá-la pessoalmente e confesso que fiquei muito emocionada. Na verdade me senti uma criança. E isso me fez refletir o quanto na vida adulta uma referência pode ter um impacto físico e emocional do que representa pra gente. E ela e A Mulher Rei nos convoca para esta grandeza e nos inspira.

Sinceramente, nunca imaginei que pudesse assistir uma protagonista como o Maximus, de O Gladiador, interpretado por uma atriz preta. A Mulher Rei é daqueles filmes que nos conecta, seja pela cultura retratada ou pela história, além de cumprir muito bem o seu papel de nos entreter ao acompanhar a jornada da heroína, emocionar, e nos fazer ter empatia na humanidade daquelas mulheres guerreiras. Leio o filme também como uma metáfora da nossa sociedade no qual lutamos continuamente pela nossa liberdade econômica, cultural e social. O Brasil é o quinto país do mundo que mais consome audiovisual. A indústria cinematográfica é uma das mais fortes em todo mundo e ao mesmo tempo a sociedade de forma geral pouco conhece como funciona este setor. Um filme para ser realizado por exemplo pode demorar até mais de 10 anos. A Mulher Rei, da excepcional atriz premiada Viola Davis, demorou em torno de 7 anos e diversos motivos dificultam que filmes como este cheguem às telas do cinema, dentre eles o racismo estrutural.

Da ideia, a pesquisa, desenvolvimento do argumento, roteiro, tratamentos do roteiro, captação de recursos, desenvolvimento, pré, produção, pós produção e distribuição, há uma cadeia de profissionais, parceiros criativos e comerciais para se convencer de que a obra pode ser um ótimo negócio. A questão é: como realizar quando toda uma lógica de mercado é formada por pessoas brancas no topo da pirâmide das decisões comerciais? Como convencê-las de que outras histórias devem ser contadas, com outros protagonismos e ainda assim ser lucrativo? O que muito, infelizmente, a gente vê nas telas, além dos personagens estereotipados, são as personagens sem família, sem sobrenome, que chegam apenas para um desfecho, sem humanidade. Temos uma lógica de mercado que tenta nos desvalorizar, e dizer que não somos belas, inteligentes, afetuosos e potentes. Que nossas histórias não importam. Que o protagonismo de mulheres pretas e pretas retintas não importam. Que histórias reais que desconhecemos por conta do racismo estrutural, não importam.

E o propósito de A Mulher Rei é justamente quebrar esse paradigma e inspirar outras narrativas que trazem a dignidade que as histórias pretas merecem, nos colocando na potencialidade que realmente somos. Vermos uma heroína preta retinta, retratada de forma humanizada, com seus medos e fragilidades e ao mesmo com tamanha força e poder, liderando a bilheteria simboliza um novo paradigma no audiovisual mundial. E essa é uma luta constante, que sem os aliados dificilmente seria possível. No mercado nacional por exemplo menos de 5% dos filmes produzidos tem o protagonismo feminino e negro, contando os personagens esteriotipados.

Filmes que tenham diretores, roteiristas e produtores pretos, como diz uma amiga roteirista, não fazem nem linha no gráfico. Outro dado importante desta pesquisa que foi realizada pela Ancine em 2017 é que quando há líderes pretos na obra, há mais possibilidades de ter mais profissionais pretos envolvidos. Tivemos a oportunidade histórica do filme ser lançado no Brasil talvez o primeiro filme épico, blockbuster dirigido, produzido e protagonizado por profissionais negros. O filme é produzido pela produtora de Viola Davis. E isso simboliza muito. A maior parte do elenco também é formado por atores pretos.

E para surpresa de muitos, a estreia de “A Mulher Rei”, nos EUA, liderou a bilheteria entre os dias 16 e 18 de outubro arrecadando US$19 milhões. O filme tem sido um sucesso inclusive entre especialistas em cinema e teve 100% de aprovação no site americano Rotten Tomatoes. Mas por que A Mulher Rei é tão importante no mundo e no Brasil?

Levando em consideração que os negros no Brasil somam 56% da população é de extrema importância que o filme seja um sucesso de bilheteria aqui no Brasil, já que a obra representa um divisor de águas do setor. Precisamos mostrar para o mercado nacional, que há uma grande demanda de pessoas pretas e aliados que buscam assistir boas histórias, com narrativas diversas, com representatividade, e que está cansada de ver mais do mesmo.

Fazendo um paralelo, este ano tive a oportunidade de apresentar e produzir o programa Preto no Branco, primeiro talk show com exibição nacional criado, apresentado, dirigido, escrito e produzido por mulheres pretas, e só foi possível graças aos parceiros aliados. E para nossa surpresa o programa teve mais de 10 milhões de pessoas impactadas. Isso demonstra claramente que temos uma alta demanda para esse tipo de conteúdo no Brasil e que o mundo mudou.

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