Quando Clara Moneke foi anunciada como protagonista para horário nobre da Rede Globo de Televisão, a indagação não poderia ser outra: a diversidade e inclusão é realmente um caminho sem volta, inclusive no mundo da teledramaturgia brasileira, mas no caso da Clara um outro fator se faz mais relevante ainda. Os avanços da questão racial no Brasil têm suas peculiaridades, e em todas as áreas como no mundo corporativo, acadêmico, educacional, e também na teledramaturgia, incluindo a publicidade, o privilégio de ser branco numa sociedade como a nossa é infinito e, mesmo quando se abre uma pequena brecha de oportunidade, entra em campo a hierarquização de pele, uma realidade cruel, onde negros que mais se aproximam do fenótipo branco têm mais oportunidades.
Isso significa que negros de pele clara e traços que se assemelham aos privilegiados dessa sociedade estão na frente da fila das oportunidades, enquanto mulheres negras retintas estão na última fileira. Nesse contexto, a Globo ousa novamente ao colocar Clara Moneke, uma jovem de 24 anos de pele preta, como personagem principal da novela. Isso que pode parecer besteira para muitos, já foi tema de intensos debates nos Estados Unidos, que foi o primeiro país a levantar a discussão sobre o colorismo e as vantagens que negros da pele clara tinham em detrimento dos irmãos de pele mais escura, fato bastante explorado quando a atriz Lupita venceu o Oscar e a própria Viola Davis, sempre que pode, toca neste assunto das atrizes de Hollywood de pele escura como a dela estarem sempre no final da fila.
A escolha de Clara Moneke como protagonista é uma demonstração de que a emissora está mesmo disposta a romper com os padrões tradicionais e investir em talentos negros, que antes eram relegados a papéis secundários ou estereotipados. A novela “Volta por cima”, que teve como protagonista Fabrício Oliveira, também de pele preta, foi um grande sucesso e agora a emissora aposta no talento de Clara Moneke.
A atriz já havia participado da novela “Vai na fé” no mesmo horário, porém, agora encara a responsabilidade de ser protagonista, uma virada de 180 graus na sua carreira e também um indicativo de que as coisas estão mudando a passos largos na emissora, que recentemente ganhou o título de patrimônio imaterial do Rio de Janeiro.
Esta sinalização é muito importante neste momento em que a inclusão e a diversidade têm sido bastante questionadas, após a posse e as investidas contrárias ao tema no Governo Trump, que tem reverberado por aqui em muitas empresas que se diziam diversas e inclusivas e que este ano recuaram ou abandonaram seus programas.
No entanto, é fundamental lembrar que essa é apenas uma primeira etapa, e que ainda há muito trabalho a ser feito, para que a igualdade racial seja uma realidade no Brasil. A Globo tem uma responsabilidade enorme em suas mãos, e esperamos que continue a apostar em talentos negros e a promover uma representação mais diversa e inclusiva em sua programação.