A precarização do trabalho no carnaval da Bahia

Mais uma vez, tenho que concordar com Octávio Mangabeira, ex-governador da Bahia., que no século passado afirmou ironicamente: “Pense num absurdo que a Bahia tem precedente”. O debate que está ocorrendo nos veículos de comunicação e nas redes sociais da Bahia hoje, sobre a remuneração de um personagem que só é conhecido na Bahia – o “cordeiro”, expressa exatamente esse sentimento. É simplesmente um absurdo.


Para familiarizar o leitor com o termo “cordeiro”, lembro que ele é utilizado para definir o trabalhador que no carnaval de Salvador, segura as cordas que delimitam o espaço físico nas ruas para que os foliões dos blocos carnavalescos possam se divertir. Funcionam hoje, como se fossem os antigos “liteireiros” no período escravocrata, que carregavam em liteiras, os senhores de escravos, ricos e abastados pelas ruas da cidade.


Digo isso, pois a origem dos “cordeiros” no carnaval da Bahia, não tem nada a ver com as funções atuais. Segundo o Professor Paulo Miguez, atual Reitor da UFBA e um dos grandes especialistas em carnaval, antes da década de 80, o cordeiro era um folião do bloco como outro qualquer, sem qualquer obrigação profissional. Era um folião como outro qualquer, batuqueiro, passista, cordeiro, etc.


Com a chegada da classe média branca de Salvador às ruas, lá pelos anos 80, por meio dos blocos de trio, o muro dos clubes aristocratas, nos quais eles se protegiam anteriormente, também veio para as ruas, só que agora, transformados em “muros” humanos, ou, os chamados “cordeiros”. E a função deles também mudou, passou a ser o protetor daqueles que estavam no bloco, sendo alvos de toda sorte de agressões, seja de populares ou da polícia.


E a face escravocrata da classe média baiana se fez presente com todo esplendor no carnaval de Salvador. Esses profissionais que protegem essa classe média da plebe ignara e que possibilitam a privatização das ruas em seu benefício, são tratados como verdadeiros “lixos” humanos. São submetidos a horas e horas de trabalho, sem qualquer proteção e recebendo uma remuneração irrisória. Isso ficou tão vexatório que muitos deles passaram a simplesmente abandonar os postos de trabalho em plena folia, tal o grau de humilhação que passam.


Acreditem, para esse trabalho que beira extenuante, cada um deles recebem hoje, não mais que 80 reais por uma jornada de 6 horas de trabalho. Ano passado era 60 reais. E foi preciso uma luta insana do Sindicato dos Cordeiros para que houvesse esse mísero aumento. Detalhe interessante – uma fantasia de um bloco trio importante (por um dia), dá para pagar aproximadamente 30 cordeiros, no mesmo período. Já uma noitada num camarote vip na cidade, paga aproximadamente 40 cordeiros. Convenhamos é muita insensibilidade.


E ainda tem proprietários desses blocos, que vão à público defender essa migalha como remuneração digna. É o capitalismo selvagem, operando a pleno vapor, chegando muito próximo do trabalho análogo a escravidão, numa festa que é cantada em prosa e verso como a maior festa popular do planeta e que representa a cara de Salvador. É muita cara de pau, isso sim.


E isso só é possível por conta de um lado, termos uma população extremamente pobre, carente e sem alternativas de trabalho digno e por outro a leniência das autoridades públicas que estão mais preocupadas com a saúde dos animais nas festas populares do que com a sanidade física e mental dos “cordeiros” no carnaval de Salvador.


Toca a zabumba que a terra é nossa!

Colunista: Zulu Araújo

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