“A privacidade morreu”
Juliano Pereira
“Meu celular estava ouvindo minha conversa!”. Quase todo mundo com quem converso repete essa frase. Será que acontece mesmo? Tecnicamente, é possível, sim, que seu telefone escute a sua conversa. Você fala “aluguel” e, em minutos, o feed mostra propaganda de imobiliárias, ou de empresas de mudança. Se aconteceu de fato, não sei dizer, mas a dúvida persiste.
A nossa relação com a tecnologia digital não é de hoje. Porém, estamos cada vez mais conectados. Quem cresceu tendo a TV como a única tela se lembrará de quando a relação era passiva e linear. A gente chegava correndo da escola para assistir ao desenho. Milhares de propagandas e intervalos faziam um seriado japonês, de 10 minutos, durar 1 hora. Um exercício de resiliência. Hoje, temos o “poder” de escolher o que e quando assistir. Será mesmo?
O fato é que o mundo mudou. Na palma da mão, o celular, hoje com 50 anos¹, transformou a forma como consumimos, trabalhamos, nos informamos e nos divertimos. É inimaginável viver sem ele. Dependência que tem até nome: FOMO (do inglês, fear of missing out, ou medo de ficar sem, de perder algo). Quer testar? Fique offline por um dia. A dependência só aumenta a cada novidade que aparece. Como o PIX. Em pouco mais de 2 anos², é aceito em todo lugar. Do vendedor ambulante à loja de grife. Você consegue se imaginar sem essa facilidade?
Tantos benefícios digitais vêm com um custo: a nossa privacidade e saúde mental estão ameaçadas. Afinal, você, assim como eu, passa cerca de 5 horas e 30 minutos³ grudado (a) no celular, todos os dias. É isso aí. E eu pergunto: já parou para pensar no quanto de informação esse aparelho captura sobre você? Ele sabe suas senhas, sua digital, sua fisionomia.
Mais do que aprender sobre você, essas tecnologias comparam comportamentos: quem gosta de sair, quem gosta de viajar, quem está deprimido, quem vota no partido A ou B. E saber sobre o perfil de bilhões de pessoas, as deixam cada vez mais assertivas para oferecer produtos ou serviços – e manipular a tal “liberdade de escolha”. O celular, por exemplo, sabe tanto sobre você – nos seus rastros online – que, talvez, nem precise ouvir sua conversa. Não, não é exagero. A privacidade morreu!
O documentário “Social Dilemma” mostra que nunca um grupo, como as big techs, teve tanto controle sobre a maneira como bilhões de pessoas agem, pensam e vivem. Há uma lista infindável de problemas que a gente tem a responsabilidade de acompanhar: manipulação de eleições via fake news, depressão e compulsão em jovens, incentivo ao ódio e discriminação de raça, gênero, para citar alguns. O que podemos fazer para transformar essa relação com a tecnologia em que nos tornamos cobaias?
Para começar, que tal: rever o comportamento nas redes sociais, reduzir o compartilhamento de dados online, exigir dos governos regulações e leis de sigilo, cobrar das empresas de tecnologia transparência. E atenção à próxima vez que perguntarem: você está ciente e de acordo com os termos de privacidade desse site?
1 – https://www.techtudo.com.br/listas/2023/04/o-celular-completa-50-anos-confira-10-fatos-impressionantes-edmobile.ghtml
2 – https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/pix
3 – https://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2022/01/12/brasileiros-sao-os-que-passam-mais-tempo-por-dia-no-celular-diz-levantamento.ghtml
4 – https://www.thesocialdilemma.com/