A puta religiosa, de Lilia Refle
Os livros de Lilia Refle (A puta religiosa), de Lia Vainer Schucman (Branquitude: diálogos sobre racismo e antirracismo) e de Josildeth Gomes Consorte, Marise de Santana (Mulher negra e ancestralidade) são destaques da coluna de Rachel Quintiliano, nesta sexta-feira
Um capítulo é mais que suficiente para envolver um leitor/a/e em uma história fascinante. Provei isso ao ler “A puta religiosa”, de Lila Refle, lançado neste ano (2023), com 74 páginas, pela Astrolábio Edições, em Portugal.
O livro, como o título sugere, conta a história de uma puta religiosa. Ainda que o título sugira o tipo de conteúdo, o enredo é intrigante e surpreendente. Como muitos romances que tenho lido, e não por acaso, escrito por pessoas negras, é de se esperar, de forma sutil ou explícita, uma crítica social, uma reflexão densa sobre o contexto das histórias.
Lilia Refle não se furta disso ao construir a personagem central do romance, Sebastiana, uma jovem religiosa, de fé (como eu), competitiva, linda, sexy, compulsiva por compras e severamente sozinha, desamparada, mal-amada, que cria um alter ego para sobreviver, mais tarde, na cidade grande.
A relação que a personagem estabelece com a religiosidade, a fé e o “Divino” são contornos estratégicos à trama – que enxergo quase como um thriller (produtores, fiquem ligados).
Nascida e criada em uma família desestruturada, com uma mãe alcoólatra, uma irmã dependente química e uma série de outros desafios, por vezes, Sebastiana parece guardar na frieza seus mais sinceros sentimentos.
Na dupla personalidade, ela encontra algum refúgio. “[A ponto que o corpo de Penélope era um cemitério terceirizado – uma espécie de purgatório aleatório à Terra. Penélope era a versão salvadora de Sebastiana – uma espécie de Cristo contemporâneo”.
Dá vontade de escrever mais sobre a obra, mas não posso passar do ponto e contar tudo que li de interessante, inclusive o final, que é singular. Assim, finalizo transcrevendo dois trechos. Primeiro, a dedicatória que ela escreveu ao me enviar o livro. Depois, o trecho de abertura do romance, que discordo do que compreendi da frase, porque, para mim, quanto mais Deus e fé, mais minha coragem cresce, e, mesmo não concordando, achei importante compartilhar, porque me impactou profundamente.
“À Rachel,
A moral é a maior das realidades. E é nela que toda uma sociedade perde coletivamente a sua humanidade”.
“Deus é a necessidade do homem de crer em melhorias, enquanto acovarda-se”.
SOBRE A AUTORA
Lilia Refle, nascida no interior da Bahia, é a caçula de uma família pobre de 18 irmãos. Para driblar a pobreza e a falta de perspectivas, já foi modelo em São Paulo, tentou Comunicação e, hoje, é bolsista do curso de Letras na PUC Rio. Faz tradução alemão-português e pensa em estudar História. Lila Refle diz que escreve para extravasar a dor e gritar contra injustiças. Esse é o terceiro livro da autora, que lançou outros dois romances ao mesmo tempo, em 2022: “Inquieta” e “Primeiro amor”.
LANÇAMENTOS
BRANQUITUDE: DIÁLOGOS SOBRE RACISMO E ANTIRRACISMO, de org. Ibirapitanga e Lia Vainer Schucman. As conversas presentes no livro são resultado do encontro de alguns dos principais pesquisadores, estudiosos e expoentes do pensamento sobre o tema, e foram promovidas pelo Instituto Ibirapitanga, em 2020, no seminário “Branquitude: racismo e antirracismo”, em cocuradoria com Lia Vainer Schucman. São debates voltados ao aprofundamento das noções em torno da branquitude como ideologia que organiza hierarquicamente as pessoas a partir da raça, atribuindo às pessoas negras um lugar subalternizado na estrutura social. Autores: Ana Paula Lisboa, Bianca Santana, Cida Bento, Deivison Faustino, Jurema Werneck, Lia Vainer Schucman, Liv Sovik, Lourenço Cardoso, Luciana Brito, Robin DiAngelo, Ronilso Pacheco, Sueli Carneiro, Thiago Amparo, Thula Pires, Tiago Rogero e Winnie Bueno.
MULHER NEGRA E ANCESTRALIDADE, organizado por Josildeth Gomes Consorte, Marise de Santana. As autoras deste volume vão buscar na ancestralidade a base para a construção de um futuro permeado de conhecimento, arte, cuidado e justiça social. Entre os temas abordados estão:
práticas ancestrais ligadas à figura feminina em Moçambique; a resistência aos casamentos prematuros naquele mesmo país; as diferenças entre mulheres negras (brasileiras e africanas) e mulheres eurocentradas; a sabedoria das moradoras do Recôncavo Baiano que exercem as profissões de costureiras e vendedoras de acarajé; a educação nos terreiros de candomblé, assentada em valores éticos ancestrais; a trajetória de professoras alfabetizadoras na educação infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental; as lutas das mulheres negras no Brasil, nos Estados Unidos, na Europa e no continente africano; as mulheres amazônicas que atuam como “servas e empregadas” do Divino Espírito Santo de Mazagão Velho, no Amapá. O livro é o segundo volume da coleção África, presente! Negritude e luta antirracista. Autor(es): Ana Piedade Armindo Monteiro, Delcirene Videira da Silva, Josildeth Gomes Consorte, Marise de Santana, Piedade Lino Videira, Sónia André, Tatiane Pereira de Souza, Teresa Manjate, Vanda Machado da Silva
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