A Universidade de Beyoncé
O lançamento de Black is King, álbum visual de Beyoncé, disponível exclusivamente na plataforma de streaming Disney+, desencadeou várias críticas, positivas e negativas, sobre representação, cultura negra e representatividade. Aqui no Brasil, a mais polêmica esteve relacionada a um texto de Lilia Schwarcz, cujas críticas lembram muito um famoso vídeo humorístico do Saturday Night Live (SNL), “The Day Beyoncé Turned Black” (em tradução livre, “O dia em que Beyoncé virou preta” – que recomendo veementemente que assistam.
No vídeo, fãs da cantora “descobrem”, a partir do álbum Lemonade, que Beyoncé é negra e surtam. A polêmica sobre Black is King no Brasil tem várias faces, mas gostaria de explorar uma que vi pouco manifestada desde a publicação do artigo, que diz respeito a esta discussão entre Academia e cultura negra.
Como defensora da ideia de que representatividade importa e fá confessa de Beyoncé, começo lembrando que esta é uma discussão antiga sobre paixão e rigor acadêmico. E não é de hoje que a soberba acadêmica faz com que alguém se coloque no direito de deslegitimar a cultura negra, e com certeza, não será a última vez que discutimos isso.
Como mestre em comunicação, diversas vezes me vi nesta posição de ter que defender nosso olhar, uma sabedoria baseada mais na experiência daqueles que ocupam uma posição privilegiada e que, muitas vezes, parecem acreditar que precisam sair julgando todos nós.
A crítica de Schwarcz parte deste sentimento, desta dificuldade da Academia em conseguir dialogar com o popular e enxergar suas versões da realidade, desconsiderando, assim, o poder da representatividade e de se enxergar no outro.
Mais do que a análise técnica, semiótica ou até mesmo política que se possa levantar sobre Black Is King, existe uma inquietação que persiste sobre o caso: por que tantas pessoas acreditam que Beyoncé precisa ser uma representante dos negros norte-americanos ou mesmo da cultura africana em sua arte?
Pode parecer tolo, mas vale lembrar: Beyoncé não é obrigada a nada por ser negra. E se a colocamos nesse patamar de admiração por trazer alguns elementos, é porque sabemos como é importante o trabalho da artista em representar de forma orgulhosa coisas que por séculos foram consideradas ruins, como ter filhos, ser negro ou ter orgulho da ascendência africana. Sua participação na luta antirracista e do feminismo negro não precisa passar pelo crivo de ninguém, porque, repito: ela não é obrigada.
Existe, é claro, a crítica da própria cultura pop como algo superficial, porque envolve a paixão, e esta é difícil de ser analisada com o tal rigor acadêmico. Mas essa mesma paixão tem o poder de influenciar e empoderar, e isso é legítimo e acontece em Black is King. Como Beyoncé faz isso, é outra conversa, para outro texto, mas a Academia erra ao criticar este lugar.
Mas vamos ocupar a Academia também e, em breve, ensinar que a nossa cultura sai da sala de jantar.