A volta dos bailes black
Produtores de bailes black se associam para trazer a música negra de volta às pistas de dança paulistas
TEXTO: Mariana Brasil | FOTOS: Rafael Cusato e Arquivo Raça Brasil | Adaptação web: David Pereira
Veja como produtores se associam para trazer de volta os bailes black.
A ASSOCIAÇÃO
Foi de uma conversa com o ex-músico e atual vereador paulistano, Netinho de Paula, que surgiu a ideia de formar uma associação de produtores de eventos para fortalecer a presença da música black no estado de São Paulo. “O Neto, junto da Secretaria da Igualdade Racial, falou pro William que só através de uma associação os produtores de evento poderiam viabilizar alguma coisa junto à prefeitura. Foi aí que o William decidiu juntar todas as equipes e criar a APEESP”, conta o atual presidente do conselho fiscal da APEESP e produtor de eventos, Rogério Ribeiro de Oliveira, mais conhecido como Batom.
William e Netinho se conhecem desde quando a Zimbabwe (organizadora de eventos black desde a década de 70) descobriu e lançou o Negritude Júnior, grupo famoso do ex-músico e atual vereador paulistano. A parceria, que acabou quando Netinho deixou os palcos, foi retomada para a busca de políticas públicas mais acertadas para a manutenção da cultura musical negra. “Desde que o Neto virou político, eu sempre cobrei dele essa necessidade de um incentivo para a cultura black”, conta William.
Criada para ajudar os produtores de eventos a expandirem a cultura negra em São Paulo, a APEESP busca trabalhar junto à prefeitura e ao governo do estado para garantir que a a música black tenha presença em eventos como a Virada Cultural e o Reveillón. Seu foco é perpetuar e manter uma cultura que, embora celebrada individualmente, não tem tido tanta presença pública. “Os bailes black estão voltando a ficar em alta, porém o poder aquisitivo do público negro está muito baixo, então muitas vezes eles não conseguem participar dos eventos. É um público que estuda e trabalha, e com isso não consegue ter um tempo ou mesmo recursos pra passear e promover a própria cultura”, explica Zezão. Como as casas de show não têm interesse em cobrar barato no ingresso para beneficiar aexpressão cultural, o trabalho junto à prefeitura vem para garantir que a cultura negra possa se expressar e ser curtida pela população. Zezão explica que a presença de políticapública é necessária na área porque “as casas não veem cor, idade. Querem saber de número, valores, e não de cultura”.
William conta que a associação também buscará valorizar os produtores culturais negros, que muitas vezes são levados pelas casas e salões de festa para trabalhar de graça,sob uma promessa de fazer carreira posteriormente. “Hoje tem muitos bailes gratuitos. A APEESP quer organizar isso para que os DJs sejam mais valorizados, porque quem toca em um baile grátis também não recebe nada. Eles têm que ganhar, estão prestando um serviço, mas atualmente acabam sem receber e isso é muito complicado.”
O atual presidente da APEESP aponta também outros problemas que inspiraram a criação da associação. O acesso aos clubes que fazem bailes black continua sendo difícil para quem mora nas periferias da cidade, tanto pelos valores quanto pela distância: a maioria deles fica na Vila Madalena ou outras áreas mais centrais, onde se concentra grande parte da vida noturna paulistana. A associação buscará, com o incentivo do governo, criar mais eventos em unidades do SESC e do CEU nas periferias. “Nem todos do nosso povo têm acesso à Vila Madalena, e essa cultura da música black é nossa. A cultura do samba-rock é própriado paulistano, daqui se propagou pra outros estados. A volta das equipes vem também com a necessidade do negro de ser reconhecido pelos setores culturais da cidade.”
Zezão, que também é filiado à APEESP e membro do conselho fiscal, acredita que a associação terá também um papel importante ao ensinar valores e levar capacitação e cultura à juventude negra. “Estamos perdendo muitos jovens para as drogas e para coisas erradas. De um lado, as crianças veem o pai trabalhando, acordando cedo, passando dor de cabeça para pagar as contas, e de outro veem um cara que é ladrão, mas está lá com correntão de ouro, carro bom, cheio de namoradas, comprando coisas toda hora, ostentando. Que vida esse moleque vai achar que vale a pena?”.
Para Zezão, se esses jovens puderem ver de perto pessoas negras que conseguem se sustentar e ainda ser reconhecidas pela comunidade como músicos, fazendo eventos culturais, ganhando festivais de dança ou cantando, há grande chance que decidam seguir carreira longe das ruas. “Se esse moleque puder ir nas festas ou nas escolas de samba e ver que tem amigos que tocam ou cantam, ele poderá decidir levar para nós um projeto de fazer uma apresentação de música, de dança, de capoeira”. A ideia de Zezão é fazer eventos focados na juventude e que durem o dia inteiro, “com aula de capoeira, de judô, palestras de produtores de evento, DJs e músicos, para tirar os moleques desse mundinho.”
Batom e Zezão almejam devolver para a juventude de hoje as oportunidades que os bailes black proporcionaram a eles durante a adolescência. “O que nós vivemos lá atrás faz com que hoje a gente esteja aqui trabalhando, unindo pessoas. Se não fossem os bailes, eu não sei o que seria de nós”. Eles lembram de amigos que conseguiram mudar de vida ao encontrarem lugar de expressão na cultura negra.
“Na nossa época tinha muito concurso de dança, então muitas pessoas se destacaram como dançarinos. Hoje, dão aula de dança.” William acredita que a parceria também será interessante para o governo, que poderá investir melhor os recursos públicos que gasta com a população negra paulistana. “Agora que vamos ter os nossos palcos em eventos como a Virada Cultural, vamos poder trazer os nossos artistas, e não os artistas que a prefeitura acha que a gente gosta. Porque, até então, eles não vinham perguntar do que gostamos de verdade. Agora podemos ter voz ativa nas escolhas de eventos para negros.”
A parceria também valorizará artistas negros, acredita William. “Antes a prefeitura fazia uma festa na Paulista e chamava Victor e Léo para agradar o público negro. Não que a gente não goste de sertanejo, mas não é a nossa cultura. A nossa cultura é black music, samba-rock. Quem representa a cultura negra são os artistas negros, Seu Jorge, Valmir Borges, Vanessa Jackson, Paula Lima.”
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