Por Zulu Araújo
Abolição, palavra carregada de sentidos, dores, afetos e interpretações. Palavra que incendiou corações e mentes no século XIX e estimulou discussões apaixonadas sobre a vida, a liberdade e o futuro da humanidade. Símbolo que titulou movimentos libertários e tornou-se o principal combustível para a entrada do Brasil no século XX.
Conteúdo concreto que povoou os sonhos de milhões de brasileiros ao longo de quase 400 anos.
Mas, apesar de tudo isso, 137 anos após a abolição, vivemos momentos de perplexidade diante de tanta resistência, violência e reações indignadas, dos setores conservadores do país, por causa das políticas públicas de promoção da igualdade racial no Brasil.
Por isso, vale perguntar: Para que conquistamos a Abolição?
O poeta José Carlos Capinam e o cantor Lazzo Matumbi, ícones da música brasileira, nos dão uma pista. Com versos poéticos e precisos, no poema/canção Abolição, eles nos ensinam:
“Acabar com a tristeza, com a pobreza e o apartheid, não fazer da humanidade, a metade da metade, parte branca, parte negra”.
Abolição para que a sociedade brasileira conquiste a cidadania plena, o desenvolvimento econômico e social, para todos/as seus/suas filhos/as, independentes da cor da pele, de sua origem social ou opção religiosa.
Abolição para que todos possam ser tratados com dignidade e igualdade, conforme afirma a Constituição. Mas também para que impeçamos que a desigualdade, o racismo e a discriminação, gerados por séculos, naturalizem-se em nosso cotidiano, como parte do nosso jeito de ser.
Abolição para conscientizar aqueles/as que dirigem o nosso país, em especial os que nos representam no Executivo, na Justiça e no Parlamento, de que a promoção da igualdade racial não pode ser apenas o recheio mágico de discursos vazios sobre a beleza da negritude.
Ainda mais quando estudos e pesquisas apontam para um tipo de relações raciais no Brasil, que tem levado à exclusão e à miséria milhões de brasileiros, além de dificultar a eles o acesso ao mercado de trabalho.
Abolição para impedir que os latifundiários ignorem a presença de milhões de remanescentes de quilombos, que, apesar de tanta dor e indiferença, continuam resistindo nos rincões do país, com a viva esperança de que a abolição, possa alcançá-los de fato e assim tenham acesso àquilo que lhes pertencem, desde sempre, por justiça e direito.
Abolição para superarmos a monumental exclusão da juventude negra a direitos dos mais elementares, como saúde, educação e lazer. Afinal, o Brasil contemporâneo, aberto, criativo e plural não pode entregar à própria sorte parte da sua juventude a milicianos, grupos de extermínios e narcotraficantes
Portanto, celebrar 137 anos da abolição da escravatura no Brasil, só tem sentido se, de um lado, debelarmos a hipocrisia que grassa na sociedade quanto à questão racial e de outro, dermos conteúdo real às aspirações de mais da metade da população brasileira.
Ou seja, é preciso instaurar a abolição definitiva da discriminação racial e do racismo, que ainda persiste no Brasil, por meio de ações concretas que levem à promoção da igualdade racial e social. Como diriam os poetas Capinam e Lazzo:
“Abolir essa careta, que esconde a Natureza e que me faz ser teu irmão. Abolindo a velha intriga e guerreando prá sorrir”.
Toca a zabumba que a terra é nossa!
[Os textos assinados não refletem, necessariamente, a opinião da Revista Raça].