ACREDITE NO SEU AXÉ

Por: Carol Barreto

“Na fé de Zambi, de Oxalá, pedimos licença para o trabalho começar”. Caminhos abertos com os mais belos sorrisos negros ao perfume de 2.500 ramos de arruda e 100kg de sal grosso.

Considerado um dos desfiles mais importantes da 48ª edição da São Paulo Fashion Week, Isaac Silva, no dia 18 de outubro, levou o branco de Oxalá com sua filosofia de vida: “Acredite no seu Axé”.

O desfile contou a trajetória dos cinco anos de sua jovem marca ativista que desafia o preconceito racial através de criações com referências afrobrasileiras e indígenas. É de conhecimento que moda e branquitude se fizeram sinônimos no Brasil, mas que para nós atuantes por dentro dessa estrutura, os desafios são inimagináveis. Poucos têm noção da luta diária contra a hegemonia no campo da moda. A sala de desfile estava lotada de pessoas negras e a sensação de autorreconhecimento produziu uma vibrante e espontânea reação da plateia diante do espetáculo de beleza vestindo corpos e identidades das mais diversas, apontando o caminho do que ainda falta na moda brasileira: respeito aos seres humanos produtores do mais importante legado cultural do país, nós, pretas e pretos, que continuamos lutando e resistindo, apesar das vigentes estratégias de eliminação da população negra, por meio do genocídio e do etnocídio.

“Pouca gente tem noção da diária luta contra a hegemonia no campo da moda”

Na produção de referências positivas que sobrepunham a imagem de subalternidade que nos foi imposta, estamos produzindo memória e reconfigurando a história. Tendo como exemplo a longa caminhada e a qualidade do trabalho de Isaac Silva, comprovamos que precisamos aprofundar o debate e produzir com qualidade. Moda é o diagnóstico da mentalidade de um tempo, traduzindo a partir da aparência a expressão cultural de um povo. Produto de um contexto, é resultado de interpretações pautadas nas formas de produção de sentido e significado vigentes naquele tempo/espaço, e assim composta pelos corpos, mentes e trejeitos, a moda é produtora de discursos. A roupa – parte integrante do escopo imaterial e material da moda – é veículo para produção da pessoa no mundo. Mas, nada disso é novo na nossa memória ancestral, memória essa que construímos a partir das diversas estratégias de resistência, quando, desde um dos maiores crimes da humanidade – a escravização dos povos africanos – ainda temos a possibilidade de produzir em terras brasileiras o que nos foi proibido: História. 

Logo, se a moda comercial – que visa eliminar a diversidade e não potencializar – tem a responsabilidade de produzir opressão aos nossos corpos, cabelos, por meio dela que podemos desconstruir e resinificar, potencializando a política da presença.

Nossa religiosidade, espiritualidade e fé são traduzidas pelo Asè ou Axé: energia vital. Um ato orgânico da nossa experiência cotidiana, que é usar roupa branca na sexta-feira em respeito ao nosso pai Oxalá, demonstra que sabemos moda desde sempre. Nas mais diversas comunidades dos países africanos, a beleza do vestir é centro da sociabilidade, assim também acontece na Bahia, nas comunidades de terreiro, quilombolas, nas diversas cidades massivamente negras no Recôncavo Baiano ou na capital Salvador, onde no nosso jeito de ser e de sentir, traduzimos cultura nas vestes, cabelos, falares, paladares, sonoridades e corporalidades. Pensar e construir moda afro-brasileira só acontece a partir do reconhecimento de que ainda lutamos por referências e a partir do entendimento de que criamos desde um lugar que não reivindica a originalidade, mas a partir de um lugar de autoridade, de quem reconhece, na sua experiência cotidiana, as diversas matrizes culturais que compõem a nossa afro-brasilidade.

Temos o compromisso de criar fornecendo outras possibilidades de aparentar/existir para as pessoas negras, e especialmente, compondo percursos diferentes da branquitude. Isaac Silva traduz o saber/poder de quem homenageia sua origem e de quem reconhece que podemos sim, reivindicar e produzir dados positivos sobre a nossa história e, assim, como sempre digo: Transformar a nossa história de dor, em beleza!

“O ato orgânico da nossa experiência cotidiana, que é usar roupa branca na sexta-feira em respeito ao nosso pai Oxalá, demonstra que sabemos moda desde sempre”

Ficha técnica

Assistente de Redação: David Santos

Estilista: Isaac Silva

Direção: Neon Cunha

Beleza: Ziel Moura

Styling: Mauricio Mariano e Alessandro Lázaro

Cenografia: Dandara Pagu

Trilha sonora: Dj Odara Kadiegi

Diretora de backstage: Isla Araujo

Modelista e Piloteiro: Ivan Rudy Gutierrez

Costureiro: Miguel Anjos Mendes e Gil Peixoto

Bordadeira: Marlene Nunes

Turbantes: Mama Nossa Cultura Cabelos e Salão Styllus Virginia & Vanessa Nai;

Designer: Aline Carvalho

Tricô: Samira Carvalho

Apoio: Sou de Algodão / Vicunha Têxtil / Lunelli / MAC / Ge32 / ALME /Ske-chers/ MKWC

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