“Quantos mais vão precisar morrer para que essa guerra acabe?” – Marielle Franco.
Era junho de 2021 quando Kathlen Romeu, uma jovem mulher negra, grávida e cheia de sonhos, teve sua vida interrompida por tiros disparados durante uma operação ilegal da polícia militar no Complexo do Lins, no Rio de Janeiro. Quatro anos depois, a ferida segue aberta – para sua família, sua comunidade e para tantas outras mães e mulheres negras que ainda enterram seus filhos sem respostas.
Neste abril de 2025, o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento da ADPF 635, a chamada ADPF das Favelas – uma ação que surgiu como resposta à letalidade policial, mas terminou com uma decisão que reforça a militarização, a repressão e a lógica de guerra que por décadas tem devastado vidas negras nas periferias do Brasil.
A ADPF foi proposta em 2020 com o objetivo de limitar operações policiais durante a pandemia, resguardando o direito à vida. Mas, ao fim de seu julgamento, o STF rejeitou medidas básicas como a obrigatoriedade de ambulâncias em operações ou a proteção ao redor de escolas e hospitais – mesmo diante de dados que mostram que mais de 800 mil estudantes vivem sob ameaça constante de armas de fogo. Ao contrário de barrar a violência, a Corte abriu brechas para intensificá-la: incluiu a possibilidade de ocupações territoriais e ignorou o plano de redução da letalidade proposto por organizações negras e de direitos humanos.
Enquanto isso, o governo do Rio anunciou a compra de um helicóptero com capacidade de disparar 6 mil tiros por minuto, que será operado pelo Bope. Em 2024, nenhuma das 37 incursões policiais na Maré contou com suporte médico, como aponta o projeto “De Olho na Maré”.
A história de Kathlen não é exceção. Ela é retrato do que significa ser mulher, negra e moradora de favela em um país onde o Estado decide, cotidianamente, quem pode viver e quem pode morrer. Quando uma mulher negra morre, morre mais do que uma vida: morre um futuro, uma história, um lar, uma possibilidade de transformação.
Não é por acaso que são as mulheres negras as que mais denunciam, organizam e resistem. A mãe de Kathlen, por exemplo, transformou o luto em luta – como tantas outras que seguem exigindo justiça, mesmo quando o Estado insiste em silenciá-las.
Quatro anos depois, seguimos perguntando: até quando?
A decisão do STF pode até ter sido final no papel, mas nas ruas, nas favelas e nos corações de quem perdeu, ela está longe de encerrar essa história. Porque não estamos falando apenas de segurança pública. Estamos falando do direito de mulheres negras existirem sem medo. De sonharem, de parirem com dignidade, de verem seus filhos crescerem. De viverem.
Kathlen Romeu não está mais aqui. Mas seu nome continua a ecoar. E seu sonho – de viver em paz, de ser mãe, de ser feliz – precisa continuar sendo nosso também.
Justiça por Kathlen. Justiça por todas.