Afrofuturismo e “O céu entre os mundos”, de Sandra Menezes

Até pouco tempo eu não sabia exatamente – talvez eu ainda tenha dúvidas sobre o significado da palavra afrofuturismo -, apesar de já ter usado o termo em algumas situações, possivelmente de forma vulgar. Pesquisando, encontrei uma boa definição no site da Academia Brasileira de Letras (ABL), aquela organização fundada por um homem negro, Machado de Assis. Mas isso é história para outro texto. 

Voltando ao assunto, segundo o site da ABL, o afrofuturismo é “[…] Movimento cultural, estético e político que se manifesta no campo da literatura, do cinema, da fotografia, da moda, da arte, da música, a partir da perspectiva negra, e utiliza elementos da ficção científica e da fantasia para criar narrativas de protagonismo negro, por meio da celebração de sua identidade, ancestralidade e história; em geral, obras pertencentes a este movimento procuram retratar um futuro grandioso, caracterizado tanto pela tecnologia avançada quanto pela superação das condições determinadas pela opressão racial, dentro do contexto da vivência africana e diaspórica]”. 

A partir da reflexão desse conceito, posso dizer, com um pouco mais de firmeza, que “O céu entre os mundos”, de Sandra Menezes, publicado pela editora Malê em 2021, foi uma das primeiras obras literárias afrofuturistas que eu li e, logo no início, com a ajuda de Octavia Butler, ela nos deixa saber do que se trata. 

Ao mesmo tempo em que Sandra Menezes nos confronta com as mazelas desse mundo, nesse tempo, nos coloca diante de nossos olhos a possibilidade de imaginar um futuro completamente diferente. 

O ano é 2273 para os terráqueos, mas o século II de um planeta novo, descoberto e habitado por pessoas negras – Wangari, que leva o mesmo nome da ativista ambiental e primeira mulher africana a receber um prêmio Nobel da Paz, Wangari Muta Maathai.  

Quando li o livro de Sandra Menezes, não lembrei da ativista, mas o nome me soava familiar, o que me levou a uma nova busca na rede mundial de computadores. Não estranhe, é proposital: estou usando expressões para me aproximar da linguagem e contexto de “O céu entre os mundos”. Certamente, se ler isso, Sandra vai rir alto. 

O livro me fez mergulhar em um mundo completamente diferente, idealizado por pessoas negras, e onde a ciência, a memória e a conexão entre as pessoas, a espiritualidade e a natureza são fundamentais. Contudo, também é um lugar onde existe cobiça, ódio e sede de poder.

Eu adoraria ver a saga de Karima, personagem principal do livro, nas telas de cinema. Ela é jovem, negra, criativa, inventiva e segura. Tudo que sonho para as mulheres negras jovens, inclusive minhas sobrinhas e afilhadas. Como eu queria que elas pudessem viver Wangari (suspiros). 

Esse desejo, despertado pelo livro, talvez seja uma das coisas mais incríveis que ele entrega – a esperança de um futuro afrocentrado e infinitamente melhor, em que todas as boas capacidades de pessoas negras e saberes de comunidades negras, em sua ampla diversidade, sejam valorizadas e desenvolvidas para o nosso bem-viver. 

https://rachelquintiliano.substack.com/

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Jornalista com experiência em gestão, relações públicas e promoção da equidade de gênero e raça. Trabalhou na imprensa, governo, sociedade civil, iniciativa privada e organismos internacionais. Está a frente do canal "Negra Percepção" no YouTube e é autora do livro 'Negra percepção: sobre mim e nós na pandemia'.

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