Afrofuturismo, literatura e pandemia
Juntos há quatro anos, o casal Karolina Desireé e Fábio Kabral criou a Rede Afrofuturismo e se despede do projeto para pensar novas realidades
Por Isadora Santos
Quem conhece o conceito de afrofuturismo no Brasil já deve ter ouvido falar sobre o escritor Fábio Kabral e a produtora cultural Karolina Desireé. Juntos, o casal criou em 2018 a Rede Afrofuturismo, projeto idealizado por Desireé ao observar os trabalhos de escrita realizados pelo companheiro e seus estudos acerca do assunto. Para ela, era necessário ir além da literatura e promover um trabalho educativo com a realização de oficinas e atividades culturais, abrindo caminho para o diálogo com pessoas interessadas em estudar sobre o tema, pesquisando a fundo o conceito a partir dos estudos realizados pelos dois e por outros intelectuais. A ideia da rede era de conectar pessoas que estavam produzindo trabalhos com a temática afrofuturista em diferentes vertentes.
No mês de março, enquanto os olhares estavam voltados para uma publicação sobre afrofuturo, o escritor Fábio Kabral compartilhava em seu perfil no Instagram a mensagem de que seu trabalho com o afrofuturismo havia terminado. Na rede social explicou que a decisão foi tomada ao entender que os novos significados dados ao conceito não contemplam mais seus projetos.
Durante conversa com a equipe da Raça, Karolina Desireé e Fábio Kabral compartilham suas impressões sobre as abordagens que têm sido realizadas a respeito do afrofuturismo, falaram sobre projetos futuros e dividiram detalhes sobre a dinâmica do casal durante a pandemia.
Com o fim dos trabalhos da Rede, como ficam os estudos sobre os desdobramentos do afrofuturismo?
Karolina Desireé: No início, o interesse era pensar os desdobramentos pós 94, quando surgiu o conceito. Hoje, em 2021, não sei mais se é um desdobramento ou se é uma apropriação do termo para justificar qualquer coisa que queiram justificar dentro do conceito.
Meu interesse pelos desdobramentos era pensar “O que esse afrofuturismo vai ser para nós, enquanto Brasil” e hoje chegamos em um momento nosso de olhar e falar que não damos mais conta de pensar a rede e atividades que continuem abordando o afrofuturismo. Parece que fica uma competição de conceito e a gente não está disposto a entrar nessa lógica de ficar brigando por conceitos.
Então o que vai ser desse afrofuturismo, no que ele vai se desdobrar nós não sabemos e continuamos sem saber porque ele é esse movimento em movimento, não acabou, mas a gente tá se retirando desse balaio que todo mundo colocou um monte de coisa e ninguém sabe o que ele vai se tornar.
Quando eu penso que as pessoas estão colocando o afrofuturismo dentro desse movimento de empreendedorismo, para mim estão dando uma resposta de que empreendedorismo é uma ficção e de que essa ficção nunca vai chegar para nós. Estamos nos retirando porque uma coisa é pensar em possibilidades, reconstruir passados e pensar em futuros e a gente quer o presente, agora vamos pensar nas novas realidades que estamos vivendo.
Kabral, as pessoas costumam ligar seu trabalho com o afrofuturismo. Ao dizer que não falará mais sobre o assunto, você deixará de abordá-lo em seus livros?
Fábio Kabral: O meu foco real é a escrita. Não estou negando tudo o que sei ou negando que minha literatura aborde afrofuturismo. A questão é que minha literatura aborda várias coisas, e eu não me sinto a pessoa certa para falar sobre afrofuturismo em suas diversas vertentes. Eu estava saindo do foco, sou escritor e falar sobre outras coisas como política e os rumos do mundo estava me desviando do meu trabalho de escrita.
Como tem sido escrever em meio à pandemia?
FB: Ao mesmo tempo em que tem sido bacana escrever o livro, tá sendo muito difícil produzir nesse momento de pandemia. Tem dias que não consigo escrever muito bem. Nós dois estamos bem, temos a espiritualidade ao nosso lado e a gente se fortalece nisso, além disso apoiamos um ao outro, mas não somos insensíveis ao que está acontecendo e às vezes dá esse bloqueio criativo.
Prestes a lançar um novo livro, intitulado “O Blogueiro Bruxo das Redes Sobrenaturais”, parte do universo de Ketu 3, que será publicado no primeiro semestre de 2021 pela editora Malê, o escritor recebeu o convite da editora Intrínseca para escrever outro livro, ainda sem título definido, trata-se de um épico de fantasia centrado na mitologia afro-brasileira dos orixás, que se passará em um novo mundo fictício criado por Kabral.
Já Karolina está trabalhando na área de produção cultural, nos bastidores, construindo projetos para outras pessoas e tem se voltado para os cuidados com a espiritualidade, além de desenvolver estudos sobre terapias holísticas.
Sobre o relacionamento, os dois pontuam que seguem ainda mais fortalecidos durante o isolamento, construindo diariamente a vida juntos e sendo apoio um do outro.