A tendência de mudança do trabalho da cidade para o campo é um fenômeno que está ocorrendo no Brasil já há algum tempo e se intensificou após a pandemia de Covid-19. De acordo com o IBGE, 84,72% da população brasileira vivem na zona urbana, enquanto a população rural representa uma parcela menor. No entanto, existe um movimento crescente de pessoas que estão optando por deixar a vida urbana e se mudar para áreas rurais, buscando uma vida mais simples e conectada com a natureza.
Essa tendência é particularmente interessante quando se considera a população negra brasileira que, embora tenha sido trazida para o Brasil como escravizada e trabalhar na agricultura por mais de 380 anos, traz consigo essa herança cultural e histórica e pode, também, estar influenciando a decisão de muitos de estarem se mudando para áreas rurais e se envolvendo em atividades agrícolas.
A conexão com a terra e a agricultura é uma parte importante da identidade negra brasileira. Muitas pessoas estão redescobrindo suas raízes e se conectando com a natureza e a terra de uma maneira mais profunda. Isso pode ser visto como uma forma de resistência e de afirmação da identidade negra, além de ser uma escolha de vida mais autêntica e significativa.
Além disso, a agricultura pode ser uma fonte de renda e de sustento para muitas famílias negras que vivem em áreas rurais. A produção de alimentos orgânicos e sustentáveis é uma tendência crescente em nosso país, e as pessoas negras podem ter um papel importante nesse movimento. Isso pode ajudar a promover a segurança alimentar e a soberania alimentar em comunidades negras, além de ser uma forma de preservar a cultura e a tradição. E não estou falando de comunidades tradicionais como os quilombolas.
Um exemplo vem do Rio Grande do Sul, em Poço das Antas, a 95 km de Porto Alegre, onde está localizado o Sítio Rosa do Vale. Do casal de produtores rurais, Miriam e Irani Krindges, com um empreendimento familiar, que se dedica ao plantio de uvas e figos, à fruticultura e à produção de vinhos, além de promover o enoturismo.
Entre as muitas experiências oferecidas pelo espaço, destaca-se o Samba da Uva, uma pisa da uva acompanhada de uma roda de samba. A ideia de misturar uva e samba surgiu de Miriam, que se mudou do grande centro urbano cidade de São Paulo para o Rio Grande do Sul em 2012. Com o nascimento de sua filha Dandara, em 2019, a produtora rural decidiu que era hora de repensar sua carreira e mudar de ritmo.
“No início, não pensava em regularizar o vinho. Estava construindo uma agroindústria para fazer geleias. O vinho eu regularizaria em um segundo momento”, admite a primeira e única empreendedora negra de que se tem notícia no Brasil a produzir vinhos. Atualmente, o Sítio Rosa do Vale oferece nove tipos de espumantes e dez vinhos, com preços a partir de R$ 80,00 para os vinhos finos e R$ 40,00 para os vinhos de mesa.
No Brasil, mais da metade da população é negra. Negros ainda estão distantes de estarem em igual proporção no agro, verdadeiro motor da economia brasileira, mas o exemplo da agricultora Miriam mostra que esse jogo pode estar começando a mudar.