Ambev e Prefeitura acusados de trabalho escravo no carnaval de Salvador


Zulu Araújo 

O Ministério do Trabalho e Emprego notificou formalmente a   AmBev e a Prefeitura de Salvador como responsáveis pelo trabalho análogo a escravidão, realizado por mais de 300 ambulantes no circuito Barra/Ondina, no Carnaval de Salvador em 2025.

A notificação ocorreu após a apresentação do Relatório elaborado por auditores fiscais do Ministério, após intensa fiscalização, realizada no período de 19 de fevereiro a 04de março do corrente ano, no referido circuito. 

Segundo consta no Relatório dos Auditores, tanto a AmBev, quanto a Prefeitura de Salvador, na condição de fiscalizadora dos contratos, submeteram centenas de trabalhadores (estima-se em 2.500), a trabalho análogo a escravidão.

“A maioria dos vendedores entrevistados repousavam sobre pedaços de papelão encharcados pelas chuvas, ou em pedaços de espuma e colchões, sob lonas improvisando barracas ou barracas de camping sempre ao lado dos respectivos pontos de vendas”.Relatório do Ministério do Trabalho. 

Para quem é baiano ou frequenta o carnaval de Salvador, não há nenhuma novidade nas constatações feitas pelo MTE, pois ano após ano, a situação de humilhação e muitas vezes de violência, a que esses trabalhadores são submetidos é presenciada ao vivo e a cores por todo o circuito carnavalesco. 

São famílias inteiras jogadas ao léu, para garantirem alguns trocados para sua sobrevivência e a exclusividade e o lucro da cervejaria de plantão.  

O curioso é que a empresa (Ambev) até vende uma ideia de que tem programas afirmativos de apoio a trabalhadores/as negros/as, mas como assim? 

Praticando trabalho análogo à escravidão na cidade mais negra do país?

Do mesmo modo a Prefeitura de Salvador, foi coo-responsabilizada, visto que, apesar de ter firmado contrato de exclusividade com a Ambev, não adotou nenhuma medida de fiscalização para coibir tais atos criminosos. Segundo matéria publicada pelo jornalista Leonardo Sakamoto no UOL: 

a administração municipal foi coo-responsabilizada pelo trabalho escravo por ter firmado contrato com a empresa de bebidas, cedendo-lhe exclusividade, e assumindo não só a seleção dos trabalhadores, mas também a fiscalização da execução da atividade. Mas isso teria ocorrido em benefício da empresa, pois esse micro gerenciamento não atuou para impedir a submissão a condições degradantes”

Ou seja, a união entre um ente federativo (município de salvador) e uma empresa (Ambev) em detrimento dos direitos mais elementares dos trabalhadores, é inadmissível.

Isso é capitalismo selvagem na veia. 

Essa notificação do Ministério do Trabalho, nos remete, inevitavelmente, a celebração dos 40 anos do Axé Músic, cantada em prosa e verso ao longo do carnaval, mas que esconde, convenientemente, os privilégios e discriminações, particularmente contra a comunidade negra e trabalhadores, que esse movimento sempre se fez valer. 

Não nos esqueçamos da Comissão Especial de Inquérito sobre o Racismo no Carnaval de Salvador, (1999), instalada pela Câmara Municipal da cidade, quando vários dirigentes de blocos de trio e Camarotes (representantes do Axé Music), foram acusados de promoverem segregação social e racial na festa, exatamente por não permitirem que pretos e pobres pudessem acessar esses espaços. 

À época, blocos como o Camelão”, Nú Outro Eva, Cheiro de Amor. A Barca”, Eva, Pinel e “Beijo”, foram formalmente acusados de praticarem racismo, sob o argumento de selecionarem pessoas de boa aparência para a composição dos blocos.

Agora, é a própria Prefeitura da cidade, juntamente com uma das maiores cervejarias do mundo que é acusada de promover trabalho análogo a escravidão. Ou seja, alguma coisa está fora da ordem, (como diria Caetano Veloso), no carnaval de Salvador. 

“Triste Bahia, ó quão dessemelhante”

Enfim, é importante dizer, que fatos como este do carnaval de Salvador, tem ocorrido no Brasil inteiro, notadamente nos grandes eventos. 

Portanto, não basta criar observatórios raciais, para flagrantes de discriminação individual, é preciso atuar no atacado e responsabilizar de fato, e exigir a punição daqueles que promovem o racismo, a exclusão e o capitalismo selvagem em larga escala. Parabéns Ministério do Trabalho e Emprego: os trabalhadores merecem e o carnaval de Salvador agradece. 

Toca a zabumba que a terra é nossa!

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Mestre em Cultura e Sociedade pela Ufba. Ex-presidente da Fundação Palmares, atualmente é presidente da Fundação Pedro Calmon - Secretaria de Cultura do Estado da Bahia.

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