Revista Raça Brasil

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Danny Moloshok/Invision, via Associated Press

Toda nudez será castigada: apartheid e racismo.

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Emiliano José

Paulista radicado na Bahia, jornalista, escritor, e imortal da Academia de Letras da Bahia. Formado em Comunicação, Mestre e Doutor. Tem histórica militância política, desde o combate à ditadura militar (1964-1985), como integrante da Ação Popular (AP), passando pelo exercício de mandatos como deputado estadual pelo PMDB-BA (1988-1989), vereador de Salvador pelo PT-BA (2000-2002), deputado estadual (PT-BA) de 2003 a 2005, e deputado federal também pelo PT de 2009 a 2011. Elegeu a defesa das religiões de matriz africana como prioridade e presidiu a Comissão Especial para Assuntos da Comunidade Afrodescendente (CECAD) da Assembleia Legislativa da Bahia (2003 e 2004).

Nascido do Crime.

Título de livro de Trevor Noah, celebrado comediante americano. 

Deparei com a publicação ao escrever sobre a participação de Paulo Miguez, atual reitor da Universidade Federal da Bahia, na Revolução Moçambicana.

Não tenho qualquer pretensão de produzir resenha sobre Nascido do Crime.

Apenas compartilhar surpresas.

E indignação.

Nada mais.

Noah nasceu em Joanesburgo, na África do Sul. 

Mãe negra, Patrícia Nombuyselo Noah. Pai, Robert, branco, suíço-alemão.

Vocês sabiam? Conto pra vocês. Um dos piores crimes cometido por uma pessoa durante o apartheid era ter relações sexuais com alguém de outra raça. Noah, então, nasceu do crime.

A política invadia a cama.

Eu não conhecia a Lei da Imoralidade, de 1927, de quase um século atrás.

Fiquei impressionado. 

Se um homem europeu tivesse relação sexual com uma nativa, uma africana, era considerado culpado de transgressão e passível de prisão por no máximo cinco anos.

Se um nativo, um africano, tivesse relação sexual com uma mulher europeia, seria também considerado culpado de transgressão e submetido à mesma pena.

O artigo segundo voltava-se de modo especial às mulheres. 

Se uma nativa, mulher africana, permitisse, dizem assim, uma relação sexual com um europeu seria culpada de transgressão e passível de prisão por no máximo quatro anos. 

O mesmo valeria para a mulher europeia que permitisse um nativo, um africano, ter com ela “uma conjunção carnal ilícita”.

Penso em Nelson Rodrigues: toda nudez será castigada.

Todo desejo, aprisionado.

O livro de Noah não deixa de lado a política, porque impossível. 

Qual a genialidade do apartheid?

Ele pergunta e responde.

Convencer a grande maioria da população de que as pessoas eram inimigas umas das outras.

Separadas pelo ódio. 

A ideia por trás do regime do apartheid.

Simples: segregar as pessoas em grupos e fazê-las se odiar para tornar possível o controle de todos. 

Cabe, e cabe mesmo, lembrar: muito parecido com os identitarismos atuais.

Negros sul-africanos, na África do Sul, eram vasta maioria em relação aos brancos, coisa de cinco para um. 

E isso adiantava alguma coisa? 

Não.

Separados em grupos distintos, os zulu, os xhosa, os tswana, os sotho, os venda, os ndebele, os tsonga, os pedi, viviam antes mesmo do apartheid em estado de guerra.

Sopa no mel para o governo dos brancos: não precisou nem muito esforço para seguir a máxima de dividir para conquistar.

O apartheid, no entanto, ao longo do temo, terminou por unir as tribos, juntar o povo sul-africano.

O apartheid da África do Sul era a representação máxima do racismo. Com a queda do Império Britânico, os colonos ingleses, africânders, reivindicaram a África do Sul como herança deles, de direito. 

Uma comissão saiu pelo mundo para estudar o racismo institucionalizado. Esteve na Austrália,  Países Baixos e EUA. 

Acumulado conhecimento, o país elabora o mais avançado sistema de repressão racial já conhecido pela humanidade.

O apartheid, um Estado policial, um sistema de vigilância e de leis, voltado à manutenção da população negra sob total controle. 

Durou de 1948 até 1994, quando a resistência de tantos anos venceu, e Nelson Mandela assumiu. 

Muito sangue correu até chegar a libertação.

Lembrar o apartheid é essencial.

Como as grandes nações foram coniventes com aquele regime. 

Como o diamante e o ouro sobrepujaram quaisquer reivindicações de liberdade, democracia, direitos humanos.

Não é impróprio lembrar: Gaza hoje está sendo massacrada, submetida ao holocausto, com o apoio das maiores nações do mundo, os EUA à frente. 

Lembrar o horror do apartheid modo a nunca mais se repetir. 

Lembrar o horror do apartheid para se opor à violência de guerras de extermínio.

Lembrar o horror do apartheid para defender uma política de paz e igualdade no mundo.

E para insistir na luta contra o racismo na Terra.

Se o apartheid levou Mandela a empunhar a “Umkhonto we Sizwe” (Lança de uma Nação), seguir por décadas lutando, não obstante preso por 27 anos, temos o dever de continuar a empunhar a lança antirracista, sem descanso.

A luta antirracista continua.

 

[Os textos assinados não refletem, necessariamente, a opinião da Revista Raça].

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