Aristocrata completa 60 anos de resistência e história

Anos 50, personalidades negras, a fim de festejar com a alta sociedade paulista, eram impedidos de entrar em Clubes frequentados por brancos da elite no auge dos “50 anos em 5 “ de Juscelino Kubistchek, como o Regatas Tietê, a não ser em dias de jogo de futebol contra os próprios clubes.

Foi durante um desses jogos que surgiu a primeira ideia de um clube para negros. “A gente só se mexe quando é cutucado”.

Após alguns atos não isolados de exclusão racial nestes ambientes, Mário Ribeiro Costa, responsável pelas palavras acima, reuniu-se com um grupo da comunidade e então criaram o Aristocrata, clube exclusivo para a elite negra dos anos 60, em plena época de golpe militar que dominava as ruas.

Com sede na estrada do Bororé, Grajaú, o terreno de 60 mil metros quadrados comprado em 24 parcelas pelos associados, foi um uma resposta certeira para aquele que foi um período cuja presença de negros em clubes tradicionais como Homs, Pinheiros, Paulistano e Tietê era uma afronta. Há relatos em que tais clubes alegavam que o cloro da piscina fazia mal à pele negra, no intuito de inibir os frequentadores “de cor”.

Além de piscinas, os associados do Aristocrata construíram quadras de futebol, vôlei e basquete.

O sucesso foi tanto, que ainda durante os “anos de ouro” na década de 60 e 70, grandes nomes do Show Business nacional e internacional passaram por lá, como Ray Charles e Michel Jackson, quando criança, veio pela primeira vez ao Brasil numa apresentação dos Jackson Five.

A época em que a música negra Norte Americana começava a ser apreciada na cidade de São Paulo por meio das emissoras de TVs, acrescentou o detalhe necessário para criação de um espaço voltado para a comunidade negra que fosse além de escolas de samba. A comunidade precisava de uma ferramenta social que trouxesse o negro para os padrões da alta sociedade da época estimulando o convívio.

A origem do nome se dá justamente pela essência da elite negra em ascendência na época: médicos, advogados, professores e também sambistas, inclusive o ilustre Mestre Cartola, que frequentavam o local e salões alugados pelo clube durante eventos maiores.

Diversos jornais da época estamparam com a alta classe suas páginas mais importantes. “Este é o mais luxuoso clube negro do Brasil”, afirmava a revista Fatos&Fotos do início dos anos 1970, com imagens de badalados finais de semana num “ambiente hollywoodiano”. Grandes nomes nacionais e Internacionais frequentaram o clube, como Agostinho dos Santos, Cartola, Jair Rodrigues, Dizzie Gillespie, Milles Davis, Milton Nascimento, Muhammad Ali, Sara Vaughan, Wilson Simonal entre outros.

Maurício Pestana, CEO da Revista Raça acredita ser uma pena que as pessoas não conheçam a história do Clube com tanta profundidade. “O Aristocrata vai além de um símbolo marcante para uma época de resistência e de dificuldade, foi um momento em que os negros se impuseram. É um fenômeno que tem que ser estudado até hoje para as novas gerações, de como se organizar socialmente e politicamente. Do Aristocrata surgiu a primeira classe política negra de  deputados, vereadores… Foi uma classe econômica, social e polícia. O Aristocrata Clube deveria ser estudado com mais profundidade porque aquela ação que negros e negras fizeram, sobre tudo nos anos 60, forjou a luta que pudemos ter anos depois”, finaliza Pestana.

O Aristocrata ajudou a construir o orgulho negro dentro da comunidade. “O histórico que a gente tinha é do lado pejorativo do negro — do sem formação, sem cultura. Os nossos pais nos deram a chave, abriram a porta para que nós chegássemos ao mundo lá fora com muita dignidade”, diz, no documentário sobre o clube, Haydee Alexandre, filha de Alexandre dos Santos, um dos fundadores.

O documentário dirigido por Jasmin Pinho e Aza Pinho em 2004, relembra as memórias de três gerações frequentadoras do clube e está disponível abaixo:

Assim como várias agremiações de sua época, o Aristocrata sofreu uma decadência em suas últimas décadas, com queda de associados e problemas transitórios na direção. O local chegou a servir de moradia para pessoas em situação de rua enquanto tomado pelo abandono. 

Mas, assim como nasceu, uma reviravolta histórica o fez reabrir. Um grupo de senhorzinhos, com muito mais de 50 anos, negociou o terreno ocupado com a prefeitura de São Paulo, sanaram as dívida do clube e compraram uma nova sede.

Há 60 anos, o Aristocrata segue como exemplo para os mais jovens, através do poder e da resiliência de negros que não se abateram pelo racismo e nem pelo tempo.

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