Revista Raça Brasil

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Reprodução (instagram)

Arthur “Mamãe Falei” e a banalização da vida negra

Declarações sobre trabalhador do Ceasa-RJ escancaram racismo estrutural

Por Bruno Deusdará

Supervisão: Rachel Quintiliano

Rio de Janeiro, 5 de junho de 2025 – O ex-deputado estadual e influenciador de extrema-direita Arthur do Val, conhecido como “Mamãe Falei”, gerou indignação nacional nesta terça-feira (3) ao questionar publicamente o valor social de um jovem trabalhador negro e insinuar sua “execução”. O caso expõe uma lógica desumanizante do racismo estrutural brasileiro, já que ao olhar a vida deste jovem de uma perspectiva utilitarista, Arthur do Val “mede” o valor do trabalhador negro apenas pelo que produz.

O ataque ao trabalhador
Em vídeo que circulou nas redes sociais, Mamãe Falei dirige-se a um jovem negro com evidente tom de deboche: “Como eu sempre falo, um futuro neurocirurgião, você está vendo aí um pianista clássico, você está vendo um violinista lírico, você está vendo uma pessoa de altíssima capacidade cognitiva”. Em seguida, o membro do Movimento Brasil Livre (MBL) questiona: “Vamos falar uma verdadezinha: o que deve ser feito com esse cara? No que esse cara ajuda a sociedade? No que esse cara é produtivo? […] Eu sou processado se eu expuser as minhas opiniões do que deve ser feito com esse cara”.

O jovem atacado é funcionário da CEASA-RJ (Central de Abastecimento do Estado do Rio de Janeiro), instituição fundamental para o abastecimento alimentar da população fluminense. Como parte de uma rede que inclui seis unidades no estado e é a segunda maior da América Latina, a CEASA desempenha papel vital na segurança alimentar, no apoio à agricultura familiar e no controle sanitário de alimentos – funções que dependem diretamente de trabalhadores como o atacado por Do Val.

Histórico de falas criminosas
Esta não é a primeira vez que Arthur do Val profere declarações de caráter violento e discriminatório:

Caso ucraniano (2022): Durante visita à Ucrânia em meio à guerra, Do Val enviou áudios afirmando que mulheres refugiadas “são fáceis porque são pobres” e que “se ela cagar, você limpa o c* dela com a língua”. As declarações levaram ao fim de seu relacionamento, sua renúncia como deputado estadual e sua cassação pela Assembleia Legislativa de São Paulo (ALESP), que o tornou inelegível por oito anos.

Apoio à violência: Em plena invasão russa, publicou foto ao lado de garrafas para coqueteis molotov com a legenda: “Nunca imaginei que um dia nessa vida ainda faria coqueteis molotov para o Exército ucraniano”. A organização Uneafro Brasil denunciou o fato ao Ministério Público como incentivo à violência.

Racismo estrutural e a desumanização do corpo negro
A fala de Arthur do Val reflete a lógica perversa que reduz o valor da vida negra à sua produtividade econômica. Conforme analisado por ativistas e acadêmicos, o sistema brasileiro opera sob uma seletividade racial que:

  • Criminaliza a existência negra: Como evidenciado no contraste entre a prisão violenta do cantor preto MC Poze do Rodo e o tratamento respeitoso dado ao artista branco Filipe Ret em abordagem policial similar.
  • Naturaliza a desumanização: Ao sugerir que um trabalhador de instituição pública essencial não teria valor social, Do Val perpetua a ideia de que corpos negros só merecem existência quando atendem a padrões excepcionais de produtividade.
  • Reproduz hierarquias coloniais: A exigência de que negros sejam “neurocirurgiões” ou “pianistas” para terem dignidade revela como o racismo brasileiro exige saltos quiméricos de ascensão social para justificar a humanidade básica, enquanto brancos têm seu valor reconhecido em qualquer posição.

O influenciador Matheus Pedrazzi localizou o jovem trabalhador e mobilizou seguidores em um mutirão digital para valorizar seu trabalho legítimo. A iniciativa contrasta com a narrativa desumanizante de Do Val, reafirmando que o valor humano não se mede por produtividade, mas por dignidade inerente.

Organizações como a Uneafro Brasil já acionaram o Ministério Público para investigar as declarações, lembrando que este é mais um capítulo no histórico de condutas criminosas do ex-deputado cassado. O caso ocorreu exatamente três anos após o escândalo ucraniano que custou a Do Val sua carreira política – mas não seu espaço midiático.
Este texto é uma denúncia jornalística e uma reflexão sobre como o racismo se reinventa nas figuras públicas que banalizam vidas negras enquanto se beneficiam de estruturas de poder historicamente brancas.

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