Revista Raça Brasil

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“Até que você é uma negra bonita” o elogio que nunca foi elogio

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Hamalli Alcântara

Vice-presidente do Grupo Raça Comunicações. Responsável pelo processo de criação, realização e edição da Revista Raça Brasil. Administra os recursos técnicos, artísticos e administrativos dos principais projetos do Grupo Raça Brasil: Revista, Área Digital e Fórum Brasil Diverso.

Essa frase. Sim, essa mesma. “Até que você é uma negra bonita”.

Não tem elogio aí. O que parece um agrado, um carinho disfarçado, na verdade é um lembrete: você não deveria ser bonita. Não pra eles. Não segundo os manuais não escritos da beleza eurocentrada, de capa de revista, de novela das oito. Aquela beleza que parece ter sido impressa com régua, compasso e muito Photoshop.

Ser uma mulher negra nesse mundo é, desde muito cedo, viver em um eterno vestibular. Só que em vez de questões de múltipla escolha, as perguntas são sempre as mesmas:

— Vai alisar esse cabelo quando?

— Já pensou em clarear um pouco?

— Por que você não tenta usar menos batom, sua boca já é tão grande…

A gente cresce ouvindo que tem que “melhorar o visual” — que, no fundo, significa “parecer menos negra possível”. E antes que alguém diga “ah, mas hoje em dia tá diferente”, eu te convido a ser uma menina preta de sete anos com cabelo crespo no recreio da escola. Se você não chorou porque te chamaram de “Bombril” ou “cabelo de esponja”, parabéns: ou você teve sorte ou um coração de aço desde pequena.

É que ser negra e bonita parece ser uma exceção. Como se o bonito estivesse do outro lado do espectro, e a gente só chegasse lá com esforço, ajustes e alguma autorização tácita da sociedade. Um passaporte para o “aceitável”, carimbado com maquiagem, progressiva e muito suor emocional.

E o corpo? Ah, o corpo! Curvas demais, bumbum demais, peito de menos, quadril que “assusta”. A gente sempre é demais ou de menos. Nunca na medida. E olha que é justamente essa fartura que tantas querem copiar — mas sem querer parecer como nós. Curioso, né?

Mas entre uma microagressão e outra, a gente aprende. Aprende a rir um pouco, pra não surtar. A responder com ironia, porque chorar todo dia mancha o rímel. E a se olhar no espelho com outros olhos — os nossos. Porque se for depender do olhar do outro, a gente passa a vida se escondendo.

Hoje, quando me dizem “até que você é uma negra bonita”, eu sorrio. Não porque gostei. Mas porque já entendi. E respondo com leveza, mas com firmeza:

— Até que você é uma pessoa que precisa rever seus padrões.

Porque ser bonita, pra mim, não é apesar de ser negra. É porque sou.

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