Atos pelo Dia Internacional contra a Discriminação Racial homenageiam Marielle

Grupos culturais e movimentos sociais de luta antirracista marcharam hoje (21) nas ruas do centro do Rio de Janeiro para marcar o Dia Internacional contra a Discriminação Racial. Saindo do Cais do Valongo, na zona portuária, os participantes passaram por diversos pontos da cidade que se relacionam com a história da população negra.

Ao longo do trajeto, houve declamações de poemas, performances e variadas homenagens, uma delas à Marielle Franco, vereadora que se destacava pela luta contra o racismo e foi assassinada na semana passada.

O Dia Internacional contra a Discriminação Racial foi instituído em 1976 pela Organização das Nações Unidas (ONU) e faz referência a um episódio ocorrido em Joanesburgo, na África do Sul. “O 21 de março ficou marcado porque, em 1960, milhares de jovens negros sul-africanos estavam em uma passeata pacífica no bairro de Shaperville, protestando contra o apartheid e todo aquele sistema racista. A polícia metralhou os participantes matando 69 jovens e ferindo centenas”, explica Luciene Lacerda, uma das organizadoras.

Integrantes de movimentos contra o racismo fazem marcha como parte dos 21 Dias de Ativismo Contra o Racismo, na Zona Portuária do Rio de Janeiro Fernando Frazão/Agência Brasil

 

A marcha é a principal ação de uma agenda de 21 dias de ativismo contra o racismo. Ao todo, 180 atividades foram planejadas para ocorrer entre os dias 3 e 23 de março. Um dos eventos que integrava essa agenda foi justamente o debate na Casa das Pretas, na Lapa, do qual a vereadora Marielle participou pouco antes de ser assassinada. Segundo Luciene Lacerda, os 21 dias de ativismo não é apenas uma referência à data, como é também uma forma de conscientizar a população que estas questões que envolvem 54% dos brasileiros não devem ser lembradas apenas em um único dia. “Os desafios não são só para os negros, mas para todos que querem uma sociedade democrática, diversa e antirracista”.

Os participantes também lembraram a Marcha Contra a Farsa da Abolição, que reuniu milhares de manifestantes no centro do Rio de Janeiro em 1988 para denunciar o racismo e a exclusão dos negros na sociedade. Para os organizadores, os discursos de preconceito e ódio vem ganhando vazão nas redes sociais é mostram a persistência dos problemas. “Nesse momento em que estamos vendo uma insurgência de movimentos mais reacionários, é importante que nós possamos fazer um levante”, avalia Thiago Laurindo, diretor de planejamento e projetos do bloco de afoxé Filhos de Gandhi, que trouxe seu ritmo à marcha.

Roteiro e homenagens

A homenagem à Marielle deu o tom logo na abertura do cortejo, quando o bloco de afoxé Filhos de Gandhi pediu um minuto de silêncio durante ritual de lavagem das escadas do Cais do Valongo. “Estamos lembrando nossas raízes e também enaltecendo aqueles que cotidianamente colocam essas questões como uma luta de suas vidas. Nesse momento, também choramos por mais uma lutadora”, disse Luciene Lacerda.

Outra homenageada foi Mercedes Baptista, a primeira bailarina negra do Teatro Municipal. João Cândido, marinheiro que liderou a Revolta da Chibata em 1910, também foi lembrado em frente a sua estátua na Praça XV. Houve ainda homenagens a ancestralidades e a divindades das religiões de matriz africana, aos estivadores, às famílias removidas em decorrência das alterações urbanas na zona portuária, aos povos Tupinambás e Puris e às mulheres afro-indígenas.

A cada ponto de parada, antes do anúncio das homenagens, lideranças contavam no microfone um pouco da história de cada lugar. Do Cais do Valongo, ponto de chegada de povos escravizados considerado Patrimônio Histórico da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em 2017, o cortejo seguiu para a Pedra do Sal, onde marcaram presença participantes do tradicional grupo de dança Jongo da Serrinha. A marcha passou ainda pelo Largo da Prainha, Praça Mauá, Orla Conde – apelidada pelos ativistas de Orla Chunhambebe em homenagem a populações indígenas – e Praça XV.

O ponto de encerramento do cortejo foi a sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), onde estava previsto um tributo ao ex-deputado federal Carlos Alberto Caó de Oliveira, que morreu em fevereiro. Considerado um ícone da luta antirracista, é dele a proposta para que a Constituição de 1988 classificasse o racismo como crime inafiançável e imprescritível. No ano seguinte, ele propôs e conseguiu aprovar a Lei Federal 7.716/1989, que define os crimes de preconceito racial e ficou conhecida como Lei Caó.

Professores e alunos da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, da Universidade de São Paulo (USP), fizeram hoje (21) um ato para em protesto contra o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, mortos no dia 14 de março, no Rio de Janeiro.

O ato ocupou o pátio em frente ao prédio da faculdade, no centro da capital paulista.

“Mais uma vez estou aqui neste espaço chorando pelos mortos do movimento negro. Pelos pretos e pretas assassinados. Essa mobilização para nós é repetitiva, é redundante. Cada morte de um preto de uma preta é um assassinato político. Esse é o nosso cotidiano”, destacou a professora e coordenadora do Núcleo de Consciência Negra da USP, Maria José Menezes, lembrando que Marielle era uma das duas vereadoras negras eleitas no país. “Vocês acham que isso é normal? Que isso não é um crime político, que isso não é um crime contra os pretos nesse país?”, acrescentou.

Para o membro do Centro Acadêmico XI de agosto, que representa alunos da faculdade e também participou do ato, Gabriel Ribeiro, a manifestação pretende perpetuar as pautas defendidas pela vereadora assassinada, como o combate às execuções de jovens negros nos bairros da periferia das cidades.

“Estamos aqui para lutar contra retrocessos e contra excessos que a gente está vendo tanto por parte do governo federal, mas também dos estados. O assassinato da Marielle expressa tudo que a gente já estava vendo que estava acontecendo com nosso país, mas agora foi dado as caras. Nós estamos de fato em um Estado de Exceção”, disse.

Combate à discriminação

A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal, criou esta semana um grupo de trabalho para atuar no combate à discriminação e no fortalecimento de políticas públicas voltadas à promoção da igualdade racial.

A primeira reunião do grupo será em abril e vai discutir, entre outros temas, combate à intolerância religiosa, cotas raciais e o cumprimento da Lei Federal 11.645, que instituiu a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena na rede pública de ensino.

Em 2017, de acordo com o Censo da Educação Básica, quase 14 mil professores de escolas públicas fizeram curso de formação continuada com no mínimo 80 horas em educação para as relações etnicorracias. No entanto, uma pesquisa do Ceert, Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades, mostra que 24% das escolas públicas do Brasil ainda não discutem o racismo.

A secretária de Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação, Ivana de Siqueira, afirma que alguns professores ainda resistem em participar dos cursos por questões religiosas e pelo preconceito contra as culturas negras e indígenas. Ela lembra que casos como a execução da vereadora Marielle Franco são revelantes para o debate em sala de aula.

“A escola, se souber aproveitar bem, a partir disso, de uma notícia que está passando pelos meios de comunicação, pode tratar isso dentro da escola. Por que a Marielle? Por que isso aconteceu? A história dessa pessoa.”

Além do ensino formal, outros espaços de cultura e lazer podem contribuir para a formação de crianças e adolescentes em relação à diversidade. O bloco afro Akomabu, em São Luís do Maranhão, promove oficinas e ensaios com jovens no Centro de Cultura Negra. José Ricardo de Souza Galvão, o Cadu, de 21 anos, está no bloco desde os 16 anos. Ele aprendeu a usar a grafitagem e a percussão contra o racismo.

“O bloco me mostrou outra realidade. O Centro de Cultura Negra, a instituição, me fez um jovem ter um censo crítico, de saber analisar e me proporcionou a participação em espaços de decisão política sobre a juventude.”

Esta semana, em Brasília, acontece a 2ª Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena. O objetivo do encontro é consolidar uma política nacional para o setor. O evento vai até esta quinta-feira e reúne aproximadamente 900 pessoas, entre indígenas e não indígenas. Elas avaliam as oito mil propostas feitas nas 19 etapas regionais realizadas desde 2016.

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