Autor de Santo de Casa, Stefano Volp, defende que a literatura é um espaço para expor e denunciar a violência de gênero, o machismo e o patriarcado.
Em entrevista exclusiva à Revista Raça online, o escritor capixaba, autor de O Segredo das Larvas, Nunca Vi a Chuva e O Beijo do Rio, lança agora Santo de Casa. Ele fala sobre a representação de identidades múltiplas na ficção, a abordagem de temas que impactam pessoas negras e LGBT, e seu processo de criação, que inclui também a divulgação de sua obra.
Revista Raça. Você se posiciona como um autor negro e LGBT. O que isso significa? Que mensagem você quer transmitir com esse posicionamento?
Stefano Volp. Eu me posiciono profissionalmente como um autor porque desejo ser menos atingido pelos significados cristalizados a respeito da minha identidade dita. Se digo que sou um autor negro, esperam que eu escreva sobre racismo. Se sou um autor LGBT, devo escrever personagens queer. Eu escrevo sobre família, luto, esperança, dor, alívio, sobre o que me parecer importante, com personagens racializados ou não.
Dentro de todas as coisas que sou, também sou um homem negro e gay, de classe trabalhadora, criado na periferia. Escrevo a partir deste corpo, que é político, e afirmo e defendo múltiplas identidades na ficção para esperançar futuros.
Revista Raça. Na sua literatura, temas como racismo, masculinidade e violência gênero são frequentes. Como a abordagem desses temas se desenvolve na sua narrativa e na construção das personagens?
Stefano Volp. Procuro escrever de forma humana. Pessoas negras no Brasil sofreram um processo de profunda desumanização. Na minha escrita, eu busco humanizá-las. Gosto de examinar as complexidades e contraditoriedades das pessoas na literatura. Ninguém é só um arquétipo. Ninguém é só um vilão ou uma mocinha. Somos construídos socialmente com aspectos de luz e sombra. Logo, há múltiplas masculinidades, múltiplas formas de interpretar e perceber as violências de gênero e diversos tipos de racismo.


Crédito da foto: Victor Vieira
Acho que a literatura produzida por pessoas negras é distribuída muitas vezes de forma problemática, fica na mesa de “destaque” para a literatura negra. Os outros livros se espalham nas livrarias por lançamentos e gênero.
Stefano Volp
Revista Raça. O novo livro mergulha no universo do machismo e do patriarcado. Por que abordar esse assunto neste momento? Por que fazer uso da literatura para expressar suas convicções sobre o tema?
Stefano Volp. Somente no ano em que comecei a escrever este livro, em 2023, o Brasil registrou 1.463 casos de mulheres que foram vítimas de feminicídio, 1 caso a cada 6 horas. No nosso país, a Delegacia de atendimento à Mulher e a Lei Maria da Penha são recentes. Essas mulheres são mortas por homens. Em cerca de 60% dos casos, parceiros íntimos. O sistema cuja linguagem comum é a misoginia se chama
patriarcado, e a gente precisa falar, em todas as esferas sócio-culturais, sobre os efeitos da dominação masculina. A literatura é só um desses espaços, mas é onde eu alcanço.
Revista Raça. Djaimilia Pereira questiona, no livro “O que é ser uma escritora hoje, de acordo comigo?”, quem se interessa pelo pensamento de uma mulher negra.A partir do raciocínio dela, a quem você acha que interessa a sua literatura? Ou qual a importância do leitor no seu processo de produção?
Stefano Volp. Adoro a Djaimilia, mas ainda não li este livro, portanto, não consigo elaborar a partir do raciocínio dela. Tenho ainda assim algumas percepções. Há no senso comum uma expectativa de que a escrita de pessoas negras cartografem as dores ancestrais dessa população. Muitas vezes, há menos interesse pelo que não dói. Eu gostaria que as pessoas experimentassem todo tipo de emoção ao ler meus livros: saudade, tristeza, diversão, medo, prazer… Ultimamente, tenho tentado me ouvir mais. Santo de casa é um livro que eu precisava escrever para mim, para dar conta do meu processo de luto, elaborar situações pessoais através da ficção. Estou curioso para saber quem vai se interessar por essa literatura.
Revista Raça. Quando você está desenvolvendo um novo projeto, se concentra exclusivamente na produção do da obra ou também pensa em como esse livro será recebido e divulgado?
Stefano Volp. Eu atuo como produtor executivo no audiovisual e diretor de cinema… já viu, né? Trabalhei com Marketing por muitos anos. Tenho muito apreço pela linguagem estética. É difícil não planejar e me envolver em todas as fases. Esse é o meu terceiro livro produzido na Record e a equipe editorial já me conhece. Fiz a capa de Santo de casa, participei ativamente de todos os processo de construção da linguagem que cerca a chegada desse livro ao mundo. Sagitário com ascendente em áries tem paz?
Revista Raça. Quais são os principais obstáculos que você enxerga para o tipo de literatura que você faz?
Stefano Volp. Acho que a literatura produzida por pessoas negras é distribuída muitas vezes de forma problemática, fica na mesa de “destaque” para a literatura negra. Os outros livros se espalham nas livrarias por lançamentos e gênero. Não é só culpa da distribuição, afinal, muitas vezes ela reflete um comportamento do consumidor. A presença de profissionais do livro no mercado ainda é pouco vista, apesar de sermos muito qualificados. A luta para ocupar o mesmo espaço que é dado a outros autores é, muitas vezes, desonesta.
Não deixem o mercado ditar o que vocês devem produzir. Escrevam sobre o que vocês sentirem
Stefano Volp
Revista Raça. Que conselho você daria para novos autores negros e LGBT?
Stefano Volp. Não deixem o mercado ditar o que vocês devem produzir. Escrevam sobre o que vocês sentirem. Se preocupem em construir personagens como vocês para que nossas identidades sejam afirmadas e defendidas na ficção. Apesar disso, escrevam sobre tudo o que vocês quiserem.
Revista Raça. Pensando que “Santo de Casa” traz vários pioneirismos em sua obra como um todo, quais novos desafios você gostaria de entrar daqui pra frente?
Stefano Volp. Quero publicar um livro infantil, atingir mercados internacionais e arriscar novas facetas de gênero literário, como tenho feito ao longo da minha carreira.
Revista Raça. Quais as semelhanças e quais as diferenças que muitos brasileiros poderão encontrar no livro com suas próprias realidades?
Stefano Volp. Acho que um livro escrito por um brasileiro, que se passa no Brasil, reflete suas raízes sócio-demográficas. Santo de casa tem disso, uma história que poderia se passar em qualquer cidadezinha de cachoeira. As diferenças talvez estejam na forma de elaborar os acidentes da vida com um pouco mais de destreza do que temos na vida real.
Santo de Casa
Autor: Stefano Volp
Editora: Grupo Editorial Record
Número de páginas: 192
Preço: R$69,90
Venda: https://bit.ly/4hqq9nm