Avôa, de Ronaldo Fernandes
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- outubro 21, 2022
Uma das coisas mais maravilhosas dessa vida é se emocionar com uma leitura. Não sei se estou mais sensível esses dias ou se a conexão que o texto faz com o passado me encheu de saudade e nostalgia. A única coisa que tenho certeza é que Ronaldo Fernandes me fez voar um pouco mais alto.
O livro, publicado em junho deste ano de 2022, pela editora Paraquedas, tem 84 páginas e o autor intercala poemas e memória, entrega também uma autobiografia de um homem de meia-idade, que fiquei com a impressão que por meio de palavras impressas, faz uma revisão de sua própria história até o tempo atual.
A primeira página já anuncia:
“[…] Avôa – um livro com memórias que deságuam em poemas; capítulos que trazem as minhas várias faces, nos momentos em que cada um deles nasce brota e deságua”.
Eu que também tenho uma conexão muito forte com a música (sou fascinada pela letra cantada), às vezes, enquanto leio, lembro de uma letra ou um som. Com Avôa não foi diferente e, antes mesmo de virar a primeira página, observei a mim mesma cantarolando Bebadosamba, de Paulinho da Viola.
“[…] Meu choro, Boca,
Dolente, por questão de estilo,
É chula quase raiada
Solo espontâneo e rude
De um samba nunca terminado
Um rio de murmúrios da memória
De meus olhos, e quando aflora
Serve, antes de tudo,
Para aliviar o peso das palavras
Que ninguém é de pedra”.
Certamente, não haveria melhor companhia do que Paulinho da Viola para me colocar no clima certo para seguir com a leitura do livro de Ronaldo Fernandes que, em seis capítulos, com ilustrações de Luyse Costa, narra experiências particulares e, em simultâneo, comuns de um homem negro, que escolhe começar seu livro falando de um tema complexo e profundo: trancas do coração, que ele traduz como “uma angústia constante, uma melancolia que reluta em ir embora”.
Esse começo foi fundamental para me localizar em uma leitura densa, que anunciava, desse modo, a importância de “humanizar” pessoas negras, especialmente, o homem negro.
Outro aspecto a considerar é o constituir-se a partir dos outros, de quem veio antes, e permitir que outros existam a partir de si mesmo. Ronaldo evoca a ancestralidade e espalha sementes durante todo o percurso literário de Avôa.
Obviamente, a afirmação racial permeia vários trechos da obra e cabe destacar o poema “Pele negra-preta”.
“[…] Você não alcança o entendimento:
traduzir a letra-negra,
esclarecer a treta-preta,
mas você não me aceita.
Entre nós tem minha pele negra-preta”.
Mas o livro também é atual e aborda temas como nome social e o reconhecimento de pessoas trans, paternidade, relacionamentos, a pandemia de Covid-19 e o momento político atual. Encerra com um pouco dos muitos papéis que o pernambucano, Ronaldo Fernandes, representa, seja como escritor, dramaturgo, ator, diretor de operações, pai, filho e neto.
Ronaldo Fernandes
Segundo o site da editora,Ronaldo Fernandes é bacharel em administração de empresas e pós-graduado em direção e atuação teatral, além de diretor de operações em uma empresa de tecnologia. Natural de Paudalho, cidade da Zona da Mata de Pernambuco, veio ainda adolescente para Santos (SP), onde aprofundou as suas pesquisas na área de dramaturgia.
É fundador da Cia Trilha de Teatro e um dos componentes do Grupo Tescom de Teatro (coletivos da região da baixada santista). Atuando como dramaturgo, diretor e ator participou de diversos espetáculos, entre eles, Casamento de sangue em Santos, Amâncio, Experimento Anda Luzia, Caminhos da Independência – Uma revolução barbara, Amanhã teremos sol, Benjamin: O filho da felicidade, Agente, Meu Deus…, Nó na garganta, De onde vem o verão, O pássaro do poente, Geração 2K, Linda flor, Obsessão em quatro atos, No reino da bestolândia, Dentro de mim mora outra, Mac & Beth – Eleição e confusão na pequeno rei e Romeu e Julieta: Um romance de virar a cabeça.
Lançamentos
Uma temporada no inferno, de Henrique Marques Samyn
Publicado pela editora Malê, o livro de Henrique Marques Samyn, “Uma temporada no inferno”, tem como pano de fundo um hospício. Após a transferência dos internos do Hospício Nacional de Alienados, descobrem-se no prédio duas pilhas de anotações atribuídas a um paciente jamais identificado. A leitura dos fragmentos revela a história de um escritor que voluntariamente se internou no Hospício para seguir os passos de Lima Barreto, mas que conheceu um trágico destino ao tornar-se uma espécie de duplo do autor de Triste fim de Policarpo Quaresma. Romance em fragmentos, Uma temporada no inferno não apenas dialoga intensamente com a vida e a obra de Lima Barreto, como também reconstitui um período no qual os discursos e as práticas eugenistas faziam convergir o racismo e a violência manicomial.
Brutos e insensíveis, de Thiago Oliveira
Thiago Oliveira expõe nos contos de “Brutos e insensíveis” um Brasil plural e contemporâneo, transgressivo e invisibilizado. Sem medo de mergulhar nos detalhes mais lodosos, o livro coloca o leitor em uma espiral de violência, desejos, fetiches, lutos, amores, solidão e perdas. Aqui, mais do que um reflexo do país, nos deparamos com um reflexo nosso. Por isso esta leitura nos assombra tanto. Fazemos parte dessa miscelânea. Somos também brutos e insensíveis e seremos obrigados a abrir janelas emperradas sobre a nossa própria existência. Nesta odisseia não há inocentes. Nós também não somos. Por isso os contos de “Brutos e Insensíveis” inquietam, pois nos mostram sem filtros, como uma autópsia. É a verdade crua na forma de uma literatura em estado bruto.
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