Bate-Papo com a cantora Ellen Oléria
Veja trechos da entrevista com a vencedora da primeira edição do The Voice Brasil, Ellen Oléria
TEXTO: Fernanda Alcântara | FOTOS: Diego Bresani – Estúdio Califórnia | Adaptação web: David Pereira
Como você começou na carreira musical?
Eu acho que a música tem algo de especial, uma das melhores memórias que temos. Socialmente, eu acho que ativamos a nossa memória, a nossa lembrança, a partir da música e da sonoridade das coisas. Às vezes,escutamos uma canção e transcendemos para outro mundo. A música sempre esteve presente, e sempre fez parte do meu mundo, seja a sonoridade da sanfona do meu pai, as aventuras com os meus irmãos na cozinha – enfim, achando as sonoridades que nos interessassem. Cansei de bater tampa de panela, fazer instrumentos com arroz, copos, esse tipo de coisa, ou seja, experimentar, que é até comum com as crianças, mas é fazer música também.
Você se formou na UnB, uma das primeiras universidades brasileiras a aderir ao sistema de cotas. Para quem vivenciou o dia a dia da instituição, o que você acha das cotas?
Houve muitas conversas sobre as cotas, encontrei muitos professores que expressavam na sala de aula os seus “achismos”. A gente ouve falar em cotas raciais há muito tempo para garantir o acesso a pessoas brancas, principalmente no sentido imigratório para o Brasil na década de 30, quando pessoas vinham de outros países para “embranquecer” o país. Se isso foi tão utilizado para nos violar no passado, por que não podemos utilizar este recurso para reparar danos causados durante todos estes séculos? As cotas, a meu ver, são um grande sucesso, não só para a comunidade negra, mas para toda a população brasileira. Ele não é um sistema perfeito – na verdade nenhum sistema é, porque é feito por pessoas, e as pessoas não são perfeitas – mas eu acredito que é possível que a sociedade observe que nós não temos nada a perder com a implementação deste sistema. Muito pelo contrário, nós estamos um pouco mais perto de vivenciar uma expectativa que vem sendo construída há muitas décadas, de que nós somos o futuro. Acho que podemos ter uma história muito bonita, com a equidade que temos sonhado há tanto tempo.
Você se considera parte do movimento negro?
Acredito que, diante de uma luta histórica dos movimentos negros, nós já alcançamos vários direitos, inclusive a possibilidade de eu não apanhar de graça da polícia quando estiver caminhando com o meu pandeiro. Quem é [negro] sabe que isso já aconteceu com muita frequência. Hoje podemos pisar nos palcos e ter o direito de ser tratados iguais a qualquer outra pessoa. Uma vez ouvi a Leci Brandão dizer que a Jovelina Pérola Negra foi pouco convidada para fazer TV porque a pele dela era muito escura para fazer televisão. Eu tenho os traços marcados por estas histórias, que são tão minhas quanto as histórias que eu ouvia a minha mãe contar, de casas onde ela não conseguia trabalhar porque havia pessoas mais claras do que ela para exercer a função.
Você já tinha uma carreira antes do programa da Globo. O que te motivou a entrar no The Voice Brasil?
Existe algo muito cruel em termos de arte, que tem a ver com esta dificuldade em garantir estabilidade financeira. Mesmo com status, uma carreira consolidada, ou mesmo com pessoas acompanhando o seu trabalho, isso tudo nem sempre garante pão na mesa. Nós que estamos nesta área sabemos disso. É algo que se repete: há grandes nomes da história da arte brasileira que estão passando dificuldades de várias ordens. A instabilidade do meu ofício me fez passar por problemas por tanto tempo, que cheguei a um momento crucial: todos os dias eu pensava em não fazer mais música, não seguir mais a profissão de cantora, até para poder atender às minhas demandas. Eu também quero atender aos meus desejos, quero comprar aquele vestido, fazer uma viagem com a minha família, como todo mundo. Estas inconstâncias de poder passar três meses sem trabalho mexem muito com a nossa autoestima.
Foi aí que você se inscreveu para o programa?
Eu decidi participar porque acredito que há algo de muito imponente nesta caixinha de ondas eletromagnéticas que é a TV. O Brasil é um país com uma cultura televisiva muito intensa, apesar de eu não ser uma telespectadora. Para você ter uma ideia, eu nem tenho o aparelho em casa, não me interesso. Mas sei da importância deste veículo. Toda a geração da década de 80 foi criada por ela, por isso acho que já assisti televisão o suficiente para o resto da minha vida. Mas eu acredito que a TV chega com uma força muito grande nos lares brasileiros, não só aqui como em todo o mundo, e achei que seria inteligente acessar este meio para fazer minha música, chegar até estas pessoas com a minha arte. Tantas coisas chegam pela TV – o cinema, por exemplo, foi popularizado entre as classes mais pobres pelo mundo com a televisão – e acho lindo isso: levar tanto para as casas ricas quanto para as casas pobres, brancas ou negras, hétero ou homossexuais, enfim, levar para todos uma força cultural. Eu acreditei no crivo de cada olhar das pessoas, pois independente de sua origem, todo mundo tem condições de ver e ouvir algo e ter critérios para avaliar. Assim me coloquei à prova para o povo brasileiro. Eu não imaginava que teria tamanha expressão, que iria encontrar as pessoas pelas ruas emocionadas ao me encontrar, porque, ao me ver, elas voltaram a ter a mesma sensação que tiveram ao me ouvir. São pessoas que ficam arrepiadas a até mesmo chegam às lágrimas. Esta é a força da televisão, e eu acho maravilhoso que a música chegue a essas pessoas por meio dela.
Como vencedora, que mensagem você gostaria de deixar para as mulheres que votaram em você e que estão lendo esta matéria?
Eu cheguei a dizer quando venci o programa que eu não sou alguém a ser alcançado, eu sou o padrão da mulher brasileira. Depois eu fiquei pensando e descobri que realmente sinto isso, que eu sou o meu próprio padrão. Eu queria dizer que me colocaram nesta posição e mentiram sobre muitas coisas sobre mim, mas eu continuo com o meu próprio discurso. Fico feliz por ter tantas mãos segurando nas minhas, me trazendo sempre muito carinho. Quero dizer para todas: vamos que vamos, que o show não pode parar. Muito axé. Saravá!
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