A recente polêmica envolvendo a atriz Bella Campos e seu papel como Maria de Fátima no remake de Vale Tudo escancara um problema histórico no Brasil: a resistência à representatividade negra em espaços de prestígio e o racismo velado que persiste mesmo quando artistas negros alcançam visibilidade.
O episódio em que Campos foi alvo de ataques racistas, incluindo insultos à sua aparência e alegações de que ela teria “cara de pobre” para interpretar uma personagem rica, revela muito mais do que a intolerância de indivíduos isolados. Ele expõe uma estrutura que ainda associa negritude à marginalidade e rejeita a ideia de que pessoas negras possam ocupar papéis de poder, elegância e sofisticação.
A atriz Bella Campos foi capa da Revista RAÇA do mês de abril e, em entrevista refletiu sobre os desafios de ser uma mulher negra no audiovisual: “Eu e todas as mulheres pretas sabemos que, em qualquer área, além de demonstrar capacidade de trabalho, conhecimento, esforço e comprometimento, precisamos vencer os obstáculos do racismo e do machismo. Precisamos demonstrar capacidade de trabalho, esforço, competência cinco vezes mais do que uma pessoa branca. Vai além do trabalho e é sobre quebrar os estereótipos que tentam nos quebrar o tempo todo.”
Este depoimento sintetiza a realidade enfrentada por artistas negras no Brasil. A reação violenta contra Bella não é um caso isolado, mas parte de um padrão estrutural. Atrizes negras frequentemente enfrentam críticas quando interpretam personagens fora dos estereótipos que lhes são socialmente impostos.
A ideia de que uma mulher negra não teria “cara de rica” reflete um imaginário colonial que reserva à população negra apenas lugares subalternos. Quando Bella Campos quebra essa expectativa, a reação conservadora tenta enquadrá-la novamente nos limites do que consideram “aceitável”.
A representação midiática não é apenas entretenimento; ela molda autoestima, aspirações e a forma como a sociedade enxerga diferentes grupos. Quando uma novela coloca uma mulher negra como protagonista rica e sofisticada, ela desafia séculos de estereótipos racistas.
Mas justamente por isso, a reação é tão agressiva. Setores conservadores e racistas rejeitam essa mudança porque ela ameaça a hierarquia racial que ainda sustenta privilégios no Brasil. O incômodo com Bella Campos não é sobre sua atuação , é sobre o fato de ela ocupar um espaço que, na visão desses críticos, não deveria pertencer a ela.
Outro aspecto perverso dos ataques a Bella Campos é a manifestação do colorismo, a discriminação dentro da própria comunidade negra, privilegiando tons de pele mais claros. Muitos comentários questionavam sua negritude, como se sua identidade racial fosse um problema. Essa violência é comum contra mulheres negras de pele mais clara,
O caso de Bella Campos é mais do que uma polêmica passageira, é um sintoma de um Brasil que ainda resiste em aceitar a diversidade. Mas também é um sinal de mudança. Cada vez mais, artistas negros ocupam espaços antes negados, e cada vez mais a sociedade se mobiliza contra o racismo.
Como bem disse Bella em sua entrevista à RAÇA, “a luta é contra estereótipos que tentam quebrar as mulheres negras todos os dias”. Sua trajetória e resistência reforçam que a representatividade na arte é, acima de tudo, um ato político de existência e resistência. E enquanto houver racismo, haverá também arte negra ecoando.