Revista Raça Brasil

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Bem-vindo ao Brasil, onde branco faz arte e preto é traficante

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Hamalli Alcântara

Vice-presidente do Grupo Raça Comunicações. Responsável pelo processo de criação, realização e edição da Revista Raça Brasil. Administra os recursos técnicos, artísticos e administrativos dos principais projetos do Grupo Raça Brasil: Revista, Área Digital e Fórum Brasil Diverso.

Na manhã de ontem, o Brasil assistiu a mais um episódio que escancara o racismo estrutural que ainda sustenta as instituições deste país. O cantor e MC Poze do Rodo foi preso em sua casa de forma violenta, humilhante, sem ao menos ter o direito de vestir uma camiseta ou calçar um chinelo. Não foi apenas uma prisão; foi um espetáculo de humilhação. Um recado claro: preto, mesmo quando vence, ainda é tratado como suspeito.

A cena nos faz lembrar outro caso não tão recente. Quando a Polícia Federal foi até a casa de Felipe Ret, cantor, para cumprir um mandado de busca, o protocolo foi outro: bateram à porta, pediram “por favor” para entrar. Sem algemas, sem truculência, sem espetáculo. Agora, adivinhem: qual a cor da pele de Felipe Ret?

A seletividade do sistema não para por aí. Renato Cariani, bodybuilder investigado por tráfico de drogas, formação de quadrilha e outros crimes graves, foi “convidado a depor”. Seu passaporte foi devolvido, mesmo sob investigação. Nenhuma condução coercitiva, nenhum espetáculo de repressão. A diferença? A cor.

Se formos olhar para o cenário cultural, o contraste segue evidente. A indústria sertaneja, branca em sua quase totalidade, reina nos palcos financiados com dinheiro público. Letras que por vezes fazem apologia ao álcool, à violência e até ao estupro passam como arte, sem grandes questionamentos ou operações policiais batendo à porta dos artistas. E por quê? Porque ali o artista é branco. Ali, a narrativa é permitida.

A verdade é que o problema nunca foi a “apologia ao crime”. O incômodo é com o preto que venceu. O preto que ousa cantar a própria história, mostrar a realidade das favelas com orgulho, sem pedir desculpas, sem esconder suas conquistas.

O sistema brasileiro não está preparado para ver um preto com voz, com sucesso, com dinheiro, com influência. O preto que escracha, que mostra o quanto o sistema é hipócrita, se torna ameaça. Não importa se sua arte reflete o cotidiano real, se denuncia ou se empodera. A cor da pele ainda dita o julgamento social e jurídico.

É por isso que MC Poze é algemado e Felipe Ret é cumprimentado. É por isso que o preto precisa vencer três vezes mais para receber metade do respeito. É por isso que no Brasil, a arte só é aceita quando vem do branco. Quando vem do preto, vira caso de polícia.

Sejamos francos: o nome disso não é “investigação”, é perseguição. Não é “justiça”, é seletividade. E o que está em jogo aqui é muito mais do que a liberdade de um artista — é o direito de existir com dignidade, de vencer e de cantar essa vitória em alto e bom som.

Bem-vindo ao Brasil, onde branco faz arte… e preto é traficante.

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